Do apiário à beleza: produtora de Abadiânia transforma veneno de abelhas em cosméticos

04 outubro 2025 às 10h10

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No coração do cerrado goiano, em meio às flores do campo e ao zumbido incansável das abelhas, nasceu uma história de reinvenção e sucesso. A professora aposentada Neusa Maria Ferreira Bandeira, de Abadiânia (GO), transformou a pandemia em oportunidade e deu vida a uma das mais promissoras apiárias do Entorno. Atualmente, a empresa contabiliza 46 produtos derivados das abelhas, que vão do tradicional mel silvestre a cosméticos inovadores à base de apitoxina.

Durante o isolamento social, sem aulas presenciais e buscando um novo propósito, Neusa e o marido, Zé Antônio, decidiram apostar na apicultura. O primeiro passo foi tímido: 30 caixas de abelhas e 30 quilos de mel. Sem orientação técnica, aprenderam através de cursos online. Mas logo perceberam que era adquirir mais qualificação profissional para galgar novas metas.
Vieram então os cursos do Senar, em Corumbá, Anápolis e até mesmo dentro de casa, com a capacitação em criação de abelhas-rainhas. Essa formação foi a virada de chave da empresa. A assistência técnica transformou a produção: de 300 quilos por ano para mais de 3 toneladas de mel.
Para Neusa Bandeira, cada produto é um símbolo da abundância da natureza:
- Mel, própolis, cera e apitoxina estão presentes em quase toda a linha de cosméticos.
- A produção inclui também sabonetes fitoterápicos, linhas masculinas de higiene e produtos para saúde e estética.
“Enquanto muitos só extraem o mel, nós descobrimos que as abelhas oferecem muito mais. Hoje são 46 produtos, todos nascidos da mesma matéria-prima: o trabalho incansável das nossas colmeias”, resume a apicultora.

A força da assistência técnica
A história de crescimento da apicultora Neusa também se relaciona com o apoio constante do Senar Goiás. A técnica de campo Juliana Pinto Machado, vinculada ao Sindicato Rural de Anápolis, acompanha de perto o trabalho da produtora na apicultura. Segundo ela, o programa garante ao apicultor uma visita mensal durante dois anos, período em que são avaliados tanto os aspectos técnicos do manejo das abelhas quanto a gestão do negócio. Esse diferencial ajuda o produtor a enxergar os resultados de forma organizada, por meio de indicadores de desempenho.
Juliana explica que cada visita envolve um olhar completo sobre o apiário: verificação das colmeias, orientação sobre intervenções necessárias e acompanhamento do desenvolvimento das colônias. O trabalho inclui ainda o gerenciamento econômico, que permite analisar custos, produtividade e evolução da atividade. “A gente não define preço, mas orienta para que o produtor saiba os números do próprio negócio e tome decisões com base em dados”, explica. Além de Neuza, Juliana atende outros municípios da região, como Ouro Verde, Campo Limpo, Interlândia, Goianápolis e Abadiânia.

Do mel ao cosmético: inovação que gera valor
O mel foi apenas o começo. Incentivados pela Simone Leite, técnica de campo da agroindústria, auxiliando na produção dos subprodutos como os cosméticos, Neusa e suas sócias deram os primeiros passos rumo à diversificação. Surgiram os sabonetes artesanais, xampus e hidratantes.
Com o tempo, Neusa seguiu sozinha na empresa e ampliou ainda mais a cartela de produtos, investindo em fitocosméticos e fórmulas exclusivas. O ponto alto foi a entrada no universo da apitoxina, substância obtida do veneno das abelhas e hoje utilizada em cremes para dor e no sérum facial, que auxilia na reestruturação celular e já conquista clientes dentro e fora do Brasil.
A coleta da apitoxina, conhecida como veneno das abelhas, exige técnica e cuidado redobrado. O processo é feito com o uso de uma placa de vidro conectada a um aparelho que emite pulsos elétricos de baixa intensidade. Esse estímulo faz com que as abelhas liberem o veneno sobre a superfície, sem causar a morte do inseto. O material cristaliza no vidro e, depois de seco, é raspado e armazenado em condições controladas. É uma técnica delicada, que permite aproveitar o potencial terapêutico da substância preservando a colônia.

Negócio familiar que rompe fronteiras
É uma verdadeira empresa familiar: além de Neusa e do marido, o filho e até as netas participam. Maria Isadora de 9 anos já se destaca nas vendas em feiras e eventos. A nora, por sua vez, cuida das redes sociais.
As encomendas, que começaram em feiras locais, hoje chegam a Goiânia, Anápolis, Nordeste, Paraná, Irlanda e até Portugal. A apitoxina, em especial, é exportada in natura para outros estados, onde serve como base para novos produtos.
Desafios e futuro
Apesar do crescimento, o setor enfrenta desafios climáticos: chuvas intensas, secas prolongadas e queimadas impactam diretamente na produção. Em 2024, a produção foi de 57kg por colmeia, bem acima da média brasileira que é de 20kg por colmeia. No ano de 2025, ainda no período de safra, já está em 40kg por colmeia.
O próximo passo da empresa é a formalização com selo de inspeção e a entrada em plataformas de e-commerce. No fim do ano, Neusa foi convidada a representar Goiás em São Paulo, em um projeto que reúne 20 produtores de alimentos artesanais.