Infraestrutura ou saúde? Especialista explica como funciona a divisão dos recursos públicos no Entorno

29 setembro 2025 às 19h30

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A destinação de recursos públicos entre saúde e infraestrutura costuma gerar debates intensos em diferentes municípios do Entorno. Para Bernardo Barbosa, professor de Direito Administrativo do Ibmec Brasília, não se pode falar em uma preferência automática por obras em detrimento da saúde.
Segundo ele, a legislação garante percentuais mínimos que devem ser aplicados pelos municípios em ações e serviços públicos de saúde. “A bem da verdade, não há uma alocação prioritária de recursos públicos em infraestrutura em detrimento da saúde. A Lei Complementar nº 141/2012 estipula percentuais mínimos que os municípios precisam aplicar em saúde. Já para infraestrutura não há regra equivalente”, destacou.
O especialista observa, no entanto, que as escolhas de onde investir podem estar relacionadas à busca de maior visibilidade política. “Não podemos ignorar que a forma como os recursos são alocados impacta diretamente na popularidade do gestor público. Investimentos em infraestrutura podem ser capitalizados de maneira mais efetiva do que investimentos em saúde”, completou.
O professor de direito, diz que o gestor público deve ter um planejamento muito bem traçado para nortear as ações governamentais sob sua gestão. “Sabemos que os programas de governo apresentados quando das eleições são uma prévia daquilo que o gestor executará, porém, inevitavelmente, por razões variadas, aquilo que fora planejado nem sempre será o executado, pois as próprias demandas da população podem oscilar com o tempo. Em termos gerais, a alocação de investimentos deve refletir a situação vivenciada no município e dar preferência para aqueles setores essenciais e que mais dependem de recursos”, destacou Barbosa.
Um exemplo dessa realidade pode ser visto em Águas Lindas de Goiás, no Entorno do Distrito Federal, onde a população enfrenta um problema crescente na saúde. Dados da Secretaria Municipal de Saúde mostram que 780 pessoas aguardam atendimento em fonoaudiologia e mais de 2 mil em neurologia pediátrica. Desde o fim de 2024, o município não conta com neuropediatra, e a gestão afirma encontrar dificuldade em contratar outro especialista. Enquanto isso, uma médica neuropsiquiatra tem prestado apoio parcial na Policlínica Municipal.
A situação preocupa principalmente famílias de crianças que dependem de consultas regulares para manter tratamentos contínuos. A Secretaria de Saúde informou, em nota, que “todos os pacientes que necessitam de acompanhamento em neuropediatria são devidamente regulados e encaminhados dentro da disponibilidade da rede estadual de saúde, assegurando a continuidade do cuidado”.
Outro exemplo de prioridade em infraestrutura vem de Valparaíso de Goiás. A Prefeitura garantiu R$ 50 milhões do Novo PAC, assinados em 18 de setembro com o Ministério das Cidades, para construir redes de drenagem na BR-040. O projeto também inclui a urbanização até a entrada do Valparaiso II, prometendo melhorar a mobilidade e acabar com alagamentos frequentes. Em contrapartida, moradores ainda enfrentam problemas na saúde: a Central de Regulação, responsável pelo agendamento de exames, exige que pacientes cheguem de madrugada para conseguir uma das 40 fichas diárias. A Prefeitura afirma que o sistema passará por modernização digital para reduzir filas presenciais.
Em Cidade Ocidental, no dia 24 de fevereiro, a Prefeitura inaugurou o primeiro campo sintético público do município, no bairro São Matheus, com investimento de R$ 1,6 milhão. O projeto ainda previa a construção de vestiários, banheiros e arquibancadas, mas ficou apenas na primeira fase. A obra foi apresentada como um marco para o esporte local, mas gerou questionamentos sobre prioridades da administração municipal.
“A prática de lançar obras sem a conclusão total é lamentável e que bem exemplifica a má gestão de recursos públicos, pois uma obra inacabada não proporciona à população os benefícios prometidos. Os registros fotográficos de lançamento de uma obra inacabada não têm qualquer serventia à população, servindo, quando muito, para fins eleitoreiros daquele gestor público que pretensamente conduziu a obra”, acrescentou o professor Bernardo Roberto.
Enquanto recursos significativos são destinados a infraestrutura esportiva, a saúde segue enfrentando problemas graves. A situação ficou evidente após a morte do pequeno João Miguel, de 2 anos, no Hospital Municipal, no dia 21 de setembro. O caso escancarou falhas na unidade, que, mesmo reformada, continua sem condições mínimas de atendimento. Dois meses antes, a morte de Maria Eduarda, de 6 anos, já havia exposto a fragilidade do sistema de saúde da cidade.
Para Barbosa, essas escolhas ilustram como cada gestão define suas prioridades. “Os interesses por trás do processo de decisão em políticas públicas não necessariamente refletem as principais demandas da sociedade, sendo influenciados por fatores externos, inclusive interesses políticos dos gestores”, avaliou.
O professor lembra ainda que não há como generalizar a ideia de que municípios investem menos em saúde do que em obras. “Não é possível afirmar de forma irrestrita que os municípios empregam menos recursos em saúde do que em infraestrutura. Trata-se, muito provavelmente, de uma percepção. O que sabemos é que os recursos públicos são escassos e, ao priorizar um setor, automaticamente outro deixa de receber”, explicou.
Na visão do especialista, esse cenário mostra o desafio diário de quem administra o poder público. “Isso evidencia a dificuldade que é gerir a coisa pública, em especial diante da multiplicidade de interesses que envolvem uma gestão municipal”, concluiu.
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