O Registro de Imóveis de Luziânia — antigo município de Santa Luzia — é o mais antigo cartório em atividade no estado de Goiás e um dos mais importantes do Centro-Oeste. Com 151 anos de história, ele funciona como guardião da formação territorial de cidades do Entorno do Distrito Federal e de parte das áreas rurais que deram origem à Brasília.

Cartório reúne maior e mais antigo acervo de matrículas de imóveis da região. Foto: Graciliano Cândido/ Jornal Opção

Da Santa Luzia colonial ao registro que moldou cidades

A atividade notarial em Santa Luzia começou cedo: o Tabelionato foi instalado em 1805, quando a vila ainda era ponto estratégico nas rotas de expansão pelo interior do país. O Registro de Imóveis, porém, surgiu mais tarde — e a portaria oficial de criação se perdeu no tempo. O marco que confirma o início das atividades é a abertura do primeiro livro de transcrições em 18 de maio de 1874, início do acervo que hoje reúne documentos centenários.

No fim do século XIX, a região passava por transformações importantes. A Missão Cruls, comandada pelo engenheiro belga Louis Cruls em 1892, mapeou o quadrilátero onde a futura capital poderia ser instalada — previsão que já constava na Constituição de 1891. A simples possibilidade de mudança da capital intensificou a atividade imobiliária na região décadas depois.

A partir de 1956, quando a transferência da capital para o Centro-Oeste ganhou força, proprietários rurais da vasta circunscrição de Luziânia iniciaram um movimento em cadeia: parcelaram fazendas e criaram loteamentos, prevendo o crescimento populacional e econômico que viria com Brasília.

Naquele período, a legislação era menos rigorosa que a atual. Para aprovar um loteamento, bastava apresentar:

  • Memorial descritivo
  • Mapa com divisão das unidades imobiliárias
  • Indicação de vias e áreas públicas
  • Aprovação da prefeitura
  • Decreto do chefe do Executivo municipal

Com isso, dezenas de empreendimentos começaram a ser assentados no cartório, ampliando de forma acelerada o acervo da serventia. O território de Luziânia — que à época abrangia áreas que hoje pertencem a Santo Antônio do Descoberto (atual Águas Lindas),Cristalina, Valparaíso, Cidade Ocidental e Novo Gama — contribuiu para que o volume de registros crescesse sem precedentes.

Com um acervo que ultrapassa 20 toneladas de documentos físicos, o cartório preserva:

  • Transcrições de antigas fazendas
  • Mapas originais de áreas que deram origem ao DF
  • Registros paroquiais anteriores ao sistema oficial
  • Ações divisórias, desapropriações e documentos rurais do século XIX
  • Mais de 400 loteamentos criados entre o boom pré-Brasília e o crescimento das cidades do Entorno

Entre os materiais mais valiosos estão registros de propriedades como a Fazenda Paranoá, onde hoje está o Lago Paranoá. Esses documentos servem até hoje de referência em ações judiciais sobre limites territoriais, além de subsidiar a abertura de matrículas em cidades que dependem dos registros originários de Luziânia.

A atual equipe desempenha uma função importante: catalogar documentos digitalmente. Foto: Reprodução

Cartório vive maior modernização da história

Desde julho de 2023, o cartório é comandado pela registradora Ana Carolina Degani, paulista do interior e servidora concursada com experiência prévia no Registro de Imóveis de Guaíra, no Paraná. A mudança para Luziânia trouxe, segundo ela, o maior desafio profissional da carreira: gerir uma serventia originária, com acervo gigantesco e relevância histórica para todo o Centro-Oeste.

Degani assumiu a nova unidade do cartório, no centro da cidade, em situação delicada, sem digitalização, sem acessibilidade e com processos totalmente manuais. Desde então, coordena uma força-tarefa com 54 colaboradores para modernizar o acervo e transformar a serventia em um cartório 100% digital.

Entre os avanços implantados:

  • Digitalização completa de fichas, livros e mapas;
  • Informatização de mais de 77 mil matrículas manuscritas;
  • Equipes especializadas em busca, conferência e digitalização;
  • Sistema que garante que novos documentos entrem diretamente em formato digital;
  • Descarte controlado de grandes volumes de papel, autorizado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Para a registradora, a missão é dupla: preservar a memória histórica da região e, ao mesmo tempo, adaptar uma estrutura centenária ao padrão tecnológico atual. “Nós somos a serventia originária. Todo mundo depende da gente”, destaca.

Cartório de Luziânia é um verdadeiro arquivo público, devido a sua importância documental. Foto: Graciliano Cândido/ Jornal Opção

Guardião definitivo do passado e chave para o futuro

O cartório mantém a guarda permanente dos documentos anteriores à criação das cidades do Entorno e do Distrito Federal. Mesmo após a instalação de novas serventias, quando um imóvel antigo precisa ser regularizado ou ter matrícula aberta, o caminho sempre leva a Luziânia.

Por seu valor histórico e jurídico, o Registro de Imóveis da cidade funciona como um arquivo público não oficial, mas essencial, para a história fundiária de Goiás e do DF.