Crise na Saúde de Águas Lindas: filas, demora e revolta após morte de menino de 10 anos
28 outubro 2025 às 21h04

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A saúde pública de Águas Lindas de Goiás vive uma crise que revolta moradores. Em diversas unidades, o cenário é o mesmo: filas, demora e falta de estrutura. O problema ganhou destaque após a morte de Théo Pietro Medeiros, de 10 anos, que buscou atendimento médico três vezes antes de morrer vítima de apendicite supurada.
Théo apresentou febre, dores abdominais e vômitos. Mesmo com o agravamento do quadro, foi liberado em todas as vezes que procurou ajuda na UPA Mansões Odisseia e na UBS da cidade. “Uma criança cheia de sonhos, criativa e que adorava pintar e estar com a família teve sua vida interrompida”, lamentaram familiares.
A equipe de reportagem do Jornal Opção Entorno tentou contato com os pais do menino, mas eles não quiseram falar, abalados pela perda. Na escola onde Théo estudava, no bairro Cidade Jardim, a coordenadora — tia do garoto — descreveu o sobrinho como um menino carinhoso e sensível. “Nós estamos passando por momentos muito difíceis.”
Espera e falta de estrutura
Na tarde de terça-feira (28), a reportagem encontrou 65 pacientes aguardando atendimento na UPA Mansões Odisseia, em uma sala pequena, abafada e com o ar-condicionado quebrado.
O administrador da unidade afirmou que uma sindicância está em andamento para apurar o caso. “No momento não estamos dispondo de nenhuma informação, pois todo o processo de sindicância está em decurso. Ainda estamos buscando informações e averiguação de toda a trajetória do paciente dentro da unidade”, explicou.
Ele informou que naquele plantão havia nove médicos de plantão: quatro na triagem, um ortopedista, um no box e um na enfermaria.
Na delegacia da cidade, o delegado informou que ainda colhe provas para instaurar o inquérito policial.

Família busca justiça
A tia do menino e advogada da família, Ana Laura Medeiros, confirmou que a mãe foi ouvida e que novas oitivas estão marcadas para quarta-feira (29). “Os exames de sangue dele demonstraram infecção generalizada e ele saiu da UPA sem conseguir andar.”
A mãe, Livia, desabafou nas redes sociais sobre a perda do filho. “Tudo ficou vazio e por você a justiça será feita. Por você meu coração derrama de sangue e dor. Enquanto eu não conseguir a justiça, não me calarei”, escreveu.
A irmã de Théo, Victória, também fez publicações emocionadas. “A alegria de quatro irmãos foi embora. O grude, o ser mais carinhoso, o único que gostava de acordar cedo, se foi. O trabalhador, o homem da casa, se foi. Você deixou uma família inteira sem chão.”
Linha do tempo — Caso Théo
20 de outubro: A família procura a UPA de Águas Lindas. Profissionais orientam a procurar a UBS. Théo é atendido, medicado e liberado.
22 de outubro: O menino retorna à UPA. Um raio-x mostra acúmulo de fezes. Ele é medicado e liberado com receita de ibuprofeno e antibiótico. Mesmo seguindo as orientações, o quadro piora.
23 de outubro: Théo volta à UPA após vomitar e perder a consciência. Sofre parada cardiorrespiratória e morre após 30 minutos de tentativas de reanimação.
A certidão de óbito aponta apendicite supurada como causa da morte.
População denuncia descaso
Casos de demora e má estrutura no atendimento não são isolados. A dona de casa Francisca, mãe de Lara, de 15 anos, também relatou dificuldades. “Eu cheguei lá e logo na recepção a moça, muito mal-educada, mandou procurar outro lugar. Não tinha como, pois minha filha estava sofrendo de dor. Tentei de todas as formas, mas vi que não havia jeito e desisti do atendimento.”
Logo depois, a filha desmaiou. “Levaram a minha filha desmaiada para dentro da UPA, passaram um soro, remédio para enjoo e falaram que era enxaqueca e mandaram ir para casa.”
A empresária Fernanda também demonstrou indignação com a precariedade do sistema público. “No começo do ano eu quase perdi um colega também. Aliás, filho de um colega, foi na mesma situação. Chegou a perfurar, né? Teve que internar por 23 dias. E aqui não tem hospital, né? O hospital está em reforma e mandam a gente pra UBS, pra UPA. E aí a gente tem que se virar. Isso, quando você consegue um diagnóstico. Isso, quando você consegue um médico pra olhar na sua cara.”
Fernanda explicou que, por ter plano de saúde, recorre à rede privada, mas reconhece que essa não é a realidade da maioria. “Quem não pode vai pra Ceilândia ou para o Hospital Regional de Taguatinga. É assim, a gente procura onde dá. Situação crítica vai pra fora, porque aqui não tem estrutura.”
Prefeitura investiga o caso
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde de Águas Lindas informou que abriu uma apuração interna sobre o atendimento prestado ao menino. O processo segue o Protocolo de Londres, que orienta análises de eventos adversos com rigor técnico e transparência.
“De forma imediata, os profissionais envolvidos diretamente no caso de possível negligência foram afastados de suas funções até a conclusão das investigações”, informou a nota.
A pasta afirmou ainda que mantém o compromisso com a ética e a segurança no atendimento. “Todas as medidas cabíveis estão sendo adotadas para o completo esclarecimento do caso.”
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