Na periferia de Ceilândia, região marcada por altos índices de violência e vulnerabilidade social, a Chácara da Gruta de Nossa Senhora do Sol Nascente se ergue como um símbolo de resistência espiritual e transformação. O local, que acolhe a Gruta de Nossa Senhora do Sol Nascente, há 16 anos é palco de reencontros com a fé, curas emocionais e milagres que se entrelaçam com a rotina de mais de 300 famílias cadastradas e que são assistidas através do projeto social.

A história da Gruta está ligada à Paróquia São Jorge Santo Expedito, localizada na M Norte, e à Congregação Sancta Dei Genitrix de Nossa Senhora Aparecida de Santa Catarina, de orientação ortodoxa. Sob a liderança do Monsenhor José Ribamar, fundador e orientador espiritual da missão, a comunidade religiosa se consolidou como um verdadeiro berço de espiritualidade e serviço social.

A aposentada Gonçala Pereira, ao lado da Irmã Salette. Foto: Cintia Ferreira

Gonçala Pereira dos Santos, 72 anos, atravessa a cidade de ônibus, saindo da Expansão do Setor O, só para estar na Chácara da Gruta do Sol Nascente. “Eu vim porque gosto de Nossa Senhora. Ela me dá força. Quando não tem nada em casa, ela manda o alimento. Hoje mesmo, saio daqui com uma cesta básica. Não tinha nada pra dar pro meu neto e bisneto comer. A mãe Santíssima não deixa a gente passar fome.”

O milagre de 2013: quando a fé brotou da terra

O ano de 2013 marcou a espiritualidade local com um acontecimento que muitos consideram milagroso. Um galho de árvore teria congelado e começado a pingar água, em plena seca do Cerrado. O fenômeno ocorreu na nascente dentro da Gruta e atraiu inúmeros fiéis. Desde então, a água passou a correr com mais abundância, desaguando no Córrego da Coruja.

“Nós chegamos aqui e a nascente era pequena, quase tímida. Hoje, a água jorra como se fosse o próprio amor de Nossa Senhora brotando da terra”, relata com emoção a Irmã Maria de La Salette, uma das consagradas que moram no local. “Muitos levam essa água para casa e relatam curas, reconciliações, libertações espirituais. É um lugar sagrado no meio de uma terra tão marcada pela dor.”

Fé que renasce entre lágrimas

A Gruta é muito mais que um símbolo religioso: é uma casa de acolhimento para os que perderam quase tudo. Entre tantas histórias marcantes, está a da aposentada Rosi Pinheiro, que viu a vida ruir com a morte da nora durante a pandemia. A neta Izabelle, então com apenas dois anos, passou a demonstrar traumas, enquanto o neto Cauã, diagnosticado com TDAH, exigia cuidados especiais. Sem forças, Rosi mergulhou em depressão profunda.

Rosi Pinheiro: “Hoje, meus netos são acolhidos aqui, têm reforço escolar, terapia e carinho.” Foto: Cintia Ferreira

“Fiquei dois anos de cama, perdi 20 quilos. Eu não conseguia olhar no espelho, me sentia vazia”, conta ela. Foi o apoio das irmãs que lhe deu um novo motivo para viver. “A Irmã Salette me ligava, me chamava para as rodas de conversa. Um dia, resolvi ir. Voltei a sorrir. Hoje, meus netos são acolhidos aqui, têm reforço escolar, terapia e carinho.”

A neta Izabelle, que já se comportava como uma adulta precoce, voltou a brincar. “Ela voltou a ser criança aqui. Voltou a ter infância”, relata Rosi.

A jovem que trocou as passarelas pelo hábito

Um dos rostos mais inspiradores da Gruta é o da Irmã Eva, nome religioso de Camila Rodrigues, de apenas 21 anos. Natural de Patos de Minas, ela trocou uma promissora carreira de modelo — chegou a ser Miss em concursos regionais — pela vida consagrada. “Hoje, meu único e eterno esposo é Jesus”, afirma com simplicidade.

Irmã Eva chegou à comunidade há seis anos, impulsionada pelo desejo de atuar em projetos sociais. A decisão exigiu a renúncia a laços familiares e ao mundo exterior. “Quando entrei aqui, encontrei jovens como eu, dedicados, comprometidos. Foi uma surpresa descobrir que não estou sozinha nessa entrega. Aqui, temos irmãs de 18, 28 anos… é um ambiente de verdadeira fraternidade.”

Ela atua ativamente na evangelização, vendendo medalhinhas, terços e artigos religiosos em várias cidades, como Goiânia, Águas Claras e regiões do DF. “A gente encontra de tudo: pessoas doentes, solitárias, aflitas. Às vezes, só o nosso sorriso já muda o dia de alguém.”

Heloisa de Sousa disse que beber da água da gruta provoca infinitas bençãos. Foto: Cintia Ferreira

Um projeto que acolhe sem distinção

A chácara onde está localizada a Gruta abriga 25 irmãs consagradas, que vivem na comunidade e organizam as ações sociais. Todos os dias, às 9h da manhã, rezam o terço em conjunto. Aos sábados, as atividades se intensificam: mais de 300 famílias cadastradas participam de encontros, palestras, atendimentos e oficinas.

A chácara abriga 25 irmãs consagradas, que vivem na comunidade, organizam as ações sociais, cuidam dos animais e das atividades pastorais. Foto: Cintia Ferreira.

As crianças são recebidas com amor, sem qualquer tipo de distinção. Autistas, crianças com paralisia cerebral, jovens em situação de risco — todos encontram acolhida. Os pequenos participam de aulas de inglês, futebol, capoeira, recebem alimentação produzida nas fazendas do projeto em Alexânia e cuidados médicos, como atendimento odontológico com profissionais voluntários.

Aos sábados, também há momentos de espiritualidade. O mais esperado é o encontro com Nossa Senhora, a partir das 19h, junto ao Monsenhor Ribamar, na Gruta. Fiéis de diversas regiões do DF e Entorno viajam para participar. “Isso aqui é um pedaço do céu”, define Irmã Eva. “Você cruza o portão da Gruta e tudo muda. É outro mundo.”

Roda de conversa, pão na mesa e cura da alma

A fé que move montanhas também move o cotidiano da Gruta. “Às vezes não temos nada. E, mesmo assim, Deus providencia tudo”, diz a irmã. Os alimentos vêm de doações ou são produzidos pelas próprias irmãs. A carne é oriunda da fazenda em Alexânia; os pães, doados por empresários da região e ovos são da granja da fazenda.

Ana Maria Ribeiro, voluntária há mais de 10 anos, coordena as rodas de conversa com as mães. “Elas chegam aqui destruídas. Mas aqui, ouvindo umas às outras, trocando experiências, elas se reconstroem.” O irmão dela, Valmir, é mestre de capoeira e oferece aulas semanais às crianças. “É um trabalho de corpo e alma.”

As irmãs cuidam da granja, dos cavalos, e até um Emu. Foto: Cintia Ferreira.

Uma missão para além dos muros

Para quem deseja ajudar, a Gruta oferece diversas formas de colaboração. Seja com doações materiais, seja com o próprio tempo, todos são bem-vindos. “Nosso projeto não é só para quem está aqui dentro. Quem compra uma medalhinha, quem doa um quilo de alimento, quem compartilha uma palavra de fé — todos fazem parte dessa missão”, diz Irmã Eva.

Irmã Eva acolhe a todos em rodas de conversa. Foto: Cintia Ferreira

E a mensagem que ela deixa para os jovens é clara e tocante. “Deus não esquece de ninguém. O milagre começa em nós, quando abrimos o coração para Ele. Mesmo em um mundo de guerras e vícios, ainda há esperança. Ainda há fé. E ela vive aqui.”

A Gruta recebe centenas de fieis semanalmente para fazerem suas preces.