O falecimento do pequeno João Miguel, de apenas 2 anos, dentro do Hospital Municipal de Cidade Ocidental, nesta quinta-feira (21), reacendeu as críticas contra a precariedade da saúde pública no município. A tragédia expôs, mais uma vez, a fragilidade da única unidade de urgência e emergência da cidade, que, mesmo após passar por reforma e ser reinaugurada há cinco meses, continua sem oferecer condições mínimas de atendimento à população.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, a criança deu entrada na unidade pela manhã com sintomas de vômito, diarreia e dor abdominal. Depois de medicado, foi liberado para tratamento em casa. No entanto, o menino retornou no fim da tarde em estado mais grave, passou por exames e chegou a ser internado, mas não resistiu. A causa da morte será investigada pelo Serviço de Verificação de Óbitos (SVO). A nota oficial lamenta o ocorrido.

Não foi um caso isolado

A morte de João Miguel não é a primeira registrada dentro do hospital em circunstâncias nebulosas. Há cerca de dois meses, Maria Eduarda, de apenas 6 anos, também perdeu a vida após ser atendida na mesma unidade. Segundo relato do pai, a menina foi levada ao hospital com uma crise de bronquite asmática, recebeu medicação e, pouco minutos, morreu dentro da unidade.

A família acusa o hospital de negligência médica e de falta de transparência. “Minha filha entrou andando, só com dificuldade para respirar, e saiu sem vida. Até hoje não nos deram respostas claras do que aconteceu”, disse o pai, revoltado.

O histórico de duas mortes infantis em menos de três meses evidencia a gravidade da crise na saúde pública de Cidade Ocidental e a insegurança vivida por quem depende do hospital.

Reforma sem melhorias

Apesar da recente entrega da obra, servidores e pacientes relatam que os antigos problemas continuam: internação lotada, exames básicos indisponíveis, falta de medicamentos e estrutura limitada. “A sala de espera estava vazia. Parece que os funcionários têm medo depois do caso da criança. Cheguei em casa e tive que recorrer a remédios caseiros”, contou uma trabalhadora de supermercado, que deixou o hospital sem melhora no quadro de saúde.

Outro paciente, o aposentado José Augustinho Batista, de 60 anos, buscou atendimento para fortes dores de cabeça, mas não encontrou solução. “Fiz um raio-x e me mandaram procurar tomografia na rede particular. E se for um câncer no meu cérebro? Como vou pagar um exame desse, se só recebo um salário mínimo?”, questiona.

José ainda divide a responsabilidade de cuidar do sobrinho de 47 anos, portador de deficiência mental. Ele afirma que já procurou assistência social para tentar regularizar o benefício do parente, mas nunca recebeu apoio. “É uma vergonha. Essa cidade não ajuda ninguém a resolver nada”, desabafou.

Falta de transparência e sensação de abandono

Enquanto a Secretaria Municipal promete “tomar as medidas cabíveis” apenas após a conclusão do laudo, a população sente que o discurso oficial pouco corresponde à realidade. O hospital que deveria ser referência para mais de 90 mil moradores não consegue oferecer sequer serviços básicos, como teste de gravidez ou exames de imagem mais complexos, e transfere para os cidadãos a responsabilidade de procurar clínicas privadas ou viajar a outros municípios por conta própria.

As mortes recentes de João Miguel e Maria Eduarda, ambas crianças, sem respostas concretas para as famílias, reforçam a desconfiança da população em relação à saúde pública de Cidade Ocidental. O problema já não pode ser tratado como fatalidades isoladas, mas como sintoma de um sistema em colapso, marcado pelo improviso, pela falta de estrutura e pela ausência de políticas públicas eficazes.