Semana passada, a vereadora Cláudia Aguiar (PSDB), em entrevista ao Jornal Opção Entorno, fez denúncias sobre contratos irregulares de empresas junto à Câmara Municipal de Valparaíso. Mais de 17 estão sendo investigadas, com suspeitas de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. Das investigações realizadas até o momento, apenas o caso da empresa Hans Roosevelt Argolo de Souza – cujo nome fantasia é “Comércio Hans” – gerou algum tipo de punição, com a exoneração de três servidores da Câmara. Porém, a própria vereadora admite que a medida “não foi suficiente”. Com a repercussão da entrevista, o Jornal foi atrás dos desdobramentos do caso Hans, ouvindo o outro lado da história, e traz depoimentos de personagens direta ou indiretamente envolvidos na questão.

O imbróglio envolvendo o Comércio Hans começou no mês de agosto, após o líder comunitário Adriano Rodrigues, habitante de Valparaíso, realizar denúncia ao gabinete da vereadora Cláudia Aguiar, à Polícia Civil e ao Ministério Público.

Segundo queixa-crime apresentada ao MP, foram identificadas duas empresas distintas com a mesma finalidade de fornecer materiais de copa, cozinha, limpeza e utensílios à Câmara Municipal. Uma delas é a Hans, referente ao contrato 12/2023, assinado em 10 de março deste ano.

Chamou atenção a divergência nos dados: o titular da empresa era Hans Roosevelt, mas os contatos de e-mail e telefone pertenciam a um servidor da Câmara, Inaldo de Sena Correa.

Adriano relata que foi realizada, posteriormente, uma visita ao endereço registrado no CNPJ, mas no local foi encontrada apenas “uma residência simples e sem traços empresariais”. Na casa viviam a mãe e dois sobrinhos de Hans, além do irmão, o qual alegou que não funcionava ali nenhuma empresa.

Levantou-se, então, a suspeita de ser uma empresa-fantasma, que não prestava serviços e seria apenas uma ferramenta de um esquema criminoso de lavagem de dinheiro montado junto a servidores da própria Câmara Municipal.

Hans Roosevelt fala pela primeira vez à mídia

O empresário Hans Roosevelt diz ser vítima de uma denúncia completamente infundada. Ele, que não havia contado sua versão a nenhum jornal anteriormente, garante que sua empresa era totalmente legítima. “Eu era Microempreendedor Individual (MEI), com uma microempresa digital, sem estoque. E não é preciso ter estoque! Realmente estava registrado no endereço da minha mãe e irmão, mas eles não sabiam a respeito dos meus negócios. Nem meus amigos sabiam. Imagine se eu vou colocar um CNPJ ‘fake’ na casa da minha mãe. Aí eu seria um idiota mesmo”, ironiza.

Hans conta que passou pelas fases do processo licitatório, dispõe da documentação mostrando que os trâmites foram todos legais e enfatiza que o valor do contrato, de R$ 162 mil, era referente ao total de um ano de serviços prestados. “O que eu recebia por mês da Câmara era diluído e servia basicamente para manutenção do negócio”, salienta.

Ele alega que não morava mais com a mãe por ter se casado, mas cumpria rigorosamente o contrato com a Câmara, levando pessoalmente os materiais de copa e cozinha solicitados. “O papel higiênico, o café, o açúcar e o material de limpeza que mantém as dependências da Câmara limpas fui eu que entreguei! Meu CNPJ não é fantasma!”, protesta.

A conclusão da sindicância da Câmara a respeito do caso Hans aponta que um ex-servidor da Casa de Leis, Luiz Cláudio de O. Silva – amigo de longa data dos ex-servidores Inaldo Correa e Emmanuel Lyra, exonerados por conta da denúncia –, adquiria mercadorias no Núcleo Bandeirante (DF) e supermercados atacadistas para levá-las em nome da empresa.

Hans confirma que Luiz Cláudio, às vezes, prestava auxílio desta forma. “Pedi a ele que fizesse esse favor. Quando não pôde mais, contratei empresa de frete. Mas já entreguei mercadorias sim, pessoalmente, e faço questão de afirmar isso, pois a vereadora (Cláudia Aguiar) disse que nunca me viu entregando, o que não é verdade”, frisa.

Sobre o fato do telefone e e-mail da empresa serem de Inaldo Correa, Hans assinala que ele era o seu contador. “Inaldo cuidava da documentação, do CNPJ, e não da empresa em si. Por isso o telefone dele nos registros”, justifica. E desabafa: “Sempre trabalhei muito para fazer meus projetos e realizar meus sonhos. Então vem alguém, faz uma denúncia infundada e minha vida vira uma bagunça. É aí que você nota que não tem ninguém sério naquele lugar”.

Flávio Lopes: “A gente trabalha confiando nas pessoas” (Foto: Divulgação/Câmara de Valparaíso)

Presidente da Câmara diz que fez a sua parte

Como de praxe, contratos celebrados na Câmara após processos licitatórios levam a assinatura das empresas contempladas e do representante da Casa de Leis que, no caso, é o presidente da Câmara, Flávio Lopes (MDB). Quando questionado sobre o caso Hans, o vereador argumenta que, como presidente, não participa de processos licitatórios e está fazendo sua parte. “Assino milhares de documentos e a gente trabalha confiando nas pessoas. Há toda uma parte técnica”, afirma. “Mas a partir do momento em que a vereadora fez a denúncia, rescindimos prontamente o contrato com a empresa e passamos todas as informações necessárias ao Ministério Público e à Polícia Civil para que isso pudesse ser resolvido”.

Para ele, é um desafio trabalhar na presidência, e na Câmara o lado político pesa muito mais para um gestor. “Não vou mais me candidatar a presidente justamente por isso. Mas foi bom ter passado por essa experiência, até para ter noção de onde vim parar, um ninho de cobras”, alfineta.

Investigação e análise das contas

Passados dois meses desde que a denúncia sobre a empresa Hans Roosevelt foi realizada, o Ministério Público de Goiás informou, em nota, que os fatos mencionados são de seu conhecimento e “estão sendo investigados pela 3ª Promotoria de Justiça de Valparaíso de Goiás”.

Já o procurador José Américo da Costa Júnior, titular da 2ª Procuradoria de Contas do Ministério Público de Contas (MPC) junto ao Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCMGO), informa que não foram encontradas denúncias ou representações em trâmite no órgão referentes a irregularidades em contratos firmados no âmbito da Câmara Municipal de Valparaíso. “Apesar disso, tanto o MPC quanto o TCMGO possuem rotinas de fiscalização de ofício, ou seja, mediante iniciativas próprias dentro das suas competências constitucionais e legais, que objetivam averiguar a regularidade da gestão e das contratações em todos os municípios goianos”, esclarece.

De acordo com o procurador, as condutas dos gestores do Poder Legislativo de Valparaíso serão objeto de análise nas contas de gestão e em auditorias, tanto operacionais quanto de conformidade, conforme Plano de Fiscalização estabelecido pelo TCMGO, “além de eventuais denúncias e representações que venham a ser protocoladas junto ao MPC e/ou TCMGO, atendidos os requisitos legais para sua admissibilidade e processamento”.

Por fim, ele ressalta que qualquer cidadão ou autoridade pode realizar denúncia para a Ouvidoria do MPC e/ou TCMGO, de forma embasada, quando evidenciada a existência de irregularidades na gestão pública municipal, por meio dos sites:

https://www.tcmgo.tc.br/ouvidoria-mpc/#/

https://www.tcmgo.tc.br/site/ouvidoria/