Brasília cantou em plenos pulmões junto às vozes potentes de Caetano e Bethânia, com o estádio Mané Garrincha absolutamente lotado. Apesar de um certo estranhamento do público ao hino evangélico “Deus Cuida de Mim”, que faz parte do repertório do revolucionário Caetano, ele cantou sozinho no palco, sem Bethânia, e afirmou que sua amizade com o pastor Kleber Lucas o reaproximou de Deus.

Os filhos de Dona Canô e Seu Zeca tiveram formação religiosa, como toda família tradicional do Recôncavo baiano. A própria Dona Canô chegou a cantar com as freiras no colégio das Irmãs Sacramentinas e as novenas de fevereiro em louvor à Nossa Senhora da Purificação eram habituais na casa dos Veloso, na rua do Amparo, em Santo Amaro.

No mais, para os mais críticos, em se tratando de Caetano, “tudo pode” na base do ecumenismo e do holismo, pois ele tem idade e trajetória incontestável para isso. É, de fato, a afirmação daquela antítese maravilhosa da música “Quereres”, que traduz todo o conceito do reboliço questionador ‘caetaneano’: “Onde queres dinheiro, sou paixão; onde queres descanso, sou desejo; e onde sou só desejo, queres não; e onde não queres nada, nada falta e onde voas bem alto, eu sou o chão”.

O show, que teve três horas de pura contemplação, foi aberto com a energia de “Alegria, Alegria”, composição que marcou o início do movimento Tropicalista, com letra que reflete a dureza do período da Ditadura Militar no Brasil e que foi apresentada em 1967, no III Festival de Música Popular da Record. O público cantou feliz, em coro, com Caetano e Bethânia, que realmente pareciam duas divindades no palco; e são!

A música “Oração ao Tempo” nos levou às lágrimas e veio seguida do axé que revisitou a força dos orixás em canções como “Milagres do Povo”: “Xangô manda chamar Obatalá guia. Mamãe Oxum chora lágrima alegria. Pétalas de Iemanjá Iansã-Oiá ia, Ojuobá ia lá e via, Ojuobahia, Obá”.

Do disco Os Mais Doces Bárbaros, tanto o cenário quanto a interpretação de “Um Índio” foram impactantes. Já Gal Costa foi homenageada com as músicas “Baby” e “Vaca Profana”; e Gilberto Gil, com “Filhos de Gandhi”, de 1973, numa linda referência à agremiação carnavalesca e religiosa. No painel imenso do palco, imagens belíssimas compuseram a poética da cena.

“Sozinho” e “Você Não Me Ensinou a Te Esquecer” foram interpretadas com o estádio inteiro cantando junto, porque o brasiliense é emocionado mesmo. Em seguida, sozinha no palco, Bethânia lembrou o saudoso Gonzaguinha em “Explode Coração” e, com a icônica “Negue”, de Adelino Moreira, fez muito corno chorar copiosamente!

Essa festa única e histórica da MPB fechou com chave de ouro com a linda e contestadora “Odara”, para todos nós que seguimos querendo Caetanear muito! I’ts a long way!

Cynthia Pastor é editora do Jornal Opção Entorno

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