Mais de 300 famílias do bairro Jardim Europa, em Luziânia (GO), enfrentam um momento de angústia e incerteza. Apesar de terem adquirido seus lotes por meio de contratos formais, com a maioria das parcelas quitadas, os moradores agora correm o risco de perder suas casas devido à falência da empresa responsável pelo loteamento.

A incorporadora, que atuava na região há anos, teve falência decretada e deixou um rombo milionário. Como parte do processo de recuperação dos ativos da massa falida, a Justiça autorizou a penhora de bens, incluindo os terrenos onde centenas de famílias já construíram e vivem.

“É uma situação que ninguém esperava. A gente comprou, pagou direitinho, acreditando que estava tudo certo. Agora, dizem que a casa pode ser leiloada para pagar dívida da empresa. E a gente, que já pagou quase tudo, fica como?”, desabafa um dos moradores afetados.

Uma decisão recente da Vara de Falências do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) determinou que a penhora só deve ocorrer após uma análise detalhada dos contratos inadimplentes, com o objetivo de evitar a judicialização em massa por parte dos compradores. O administrador judicial foi intimado a apresentar uma lista dos imóveis que realmente podem ser penhorados, levando em consideração os pagamentos efetuados, notificações e eventuais ações judiciais em curso.

Apesar dessa precaução, uma nova decisão do juiz responsável pelo caso acendeu o alerta entre os moradores: a massa falida não será obrigada a contratar advogados para defender os contratos firmados anteriormente. Com isso, a responsabilidade por comprovar a boa-fé na compra e a adimplência recai diretamente sobre os moradores — muitos dos quais não têm condições financeiras para arcar com assistência jurídica.

Mesmo com a insegurança jurídica, moradores erguem construções. Foto: Graciliano Cândido/ Jornal Opção

Localizado às margens da BR-040, a cerca de 10 km do centro de Luziânia, o bairro Jardim Europa abriga entre 600 e 700 famílias. Parte delas reside no local em tempo integral; outras utilizam os imóveis nos fins de semana. Os terrenos foram vendidos com parcelas entre R$ 270 e R$ 550, corrigidas anualmente pelo INPC, e divididas em 50 a 60 vezes. Há casos de moradores com apenas três parcelas restantes que, ainda assim, correm o risco de perder tudo.

A reportagem do Jornal Opção Entorno esteve no bairro na tarde desta quinta-feira (24) e constatou infraestrutura urbana com asfalto, energia elétrica, abastecimento de água potável e diversas casas de alvenaria já construídas, algumas ainda em fase de ampliação.

“Pagamos direitinho. Agora estão colocando em risco o que é nosso por direito”, afirma outro morador, que ressalta que a maioria das famílias desconhecia a real situação financeira da empresa no momento da compra. “A gente não tinha conhecimento do tamanho da dívida ou da complexidade judicial que viria depois”, relata.

Segundo os próprios moradores, a incorporadora atuava em diversos estados brasileiros. Um dos sócios faleceu recentemente e, segundo relatos, ao menos três CNPJs distintos foram utilizados nas negociações iniciais, o que tem dificultado ainda mais o processo de regularização.

Dois leilões já foram realizados com imóveis vinculados à massa falida, e os valores arrecadados serviram para quitar dívidas trabalhistas com uma antiga parceira da empresa, a Santa Inês. Um novo leilão está previsto, e a Justiça já determinou a penhora de 366 imóveis no Jardim Europa — inclusive de unidades com residências construídas e adimplência comprovada.

Em reunião recente com representantes da comunidade, o administrador judicial, Dr. Clorival Florindo da Silva, sugeriu a criação de uma nova administradora para retomar o parcelamento dos lotes. A proposta visa evitar o leilão, permitindo que os moradores renegociem os débitos restantes e regularizem a situação.

“Ele nos chamou e deixou claro: ou fazemos um novo acordo coletivo e voltamos a pagar, ou cada morador vai ter que entrar com advogado próprio e enfrentar uma batalha judicial. Não tem como ganhar no grito”, afirmou Rodrigo Pinheiro, representante da comunidade.

Ainda segundo os relatos, muitos moradores se dizem desiludidos após anos sem qualquer retorno por parte da massa falida, agravado pela saída da antiga administradora. Outros temem novos prejuízos e pedem garantias de que os valores pagos até agora serão reconhecidos. Há também o receio de que compradores recentes, que adquiriram os lotes de boa-fé, sejam igualmente prejudicados.

Com os imóveis penhorados, os moradores ficam impossibilitados de vender suas casas. Em alguns casos, há risco de configuração de estelionato, caso a venda ocorra sem a devida comunicação da situação judicial ao comprador. Muitos que tentaram sair do local acabaram vendendo os imóveis por valores bem abaixo do mercado, apenas para conseguir recomeçar em outro lugar.

Procurado pela reportagem, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) informou, por meio de nota, que “qualquer questionamento com relação à decisão judicial deve ser feito no âmbito do processo, conforme rito legal. O TJDFT não presta consultoria jurídica, apenas analisa o caso concreto apresentado à Justiça. Sugere-se que as partes lesadas procurem um advogado ou a defensoria pública para tomar as medidas cabíveis no referido caso.”

A defesa da construtora não foi localizada até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.