Uma audiência pública que discutiria a revisão do Plano Diretor de Valparaíso de Goiás foi cancelada de última hora pela prefeitura nesta terça-feira (30). O anúncio surpreendeu moradores, mas não impediu a mobilização: cerca de 50 pessoas se reuniram por conta própria para debater o futuro da cidade, que vive um crescimento acelerado e enfrenta sérios desafios de infraestrutura.

Dados do IBGE mostram que Valparaíso vem “inchando” e a população está tornando a cidade intransitável. No ano de 2010, tinha 130 mil habitantes. Já em 2017, eram quase 160 mil. Em 2022, o número saltou para 210 mil moradores — um aumento médio de 3,5 mil pessoas por ano. Grande parte das moradias são verticais, estima-se que o município tenha cerca de 800 condomínios, espalhados em diversos bairros, além de pelo menos outros 50 em construção.

“Somos uma cidade construída numa rampa. Precisamos de parceria com as cidades vizinhas para lidar com as chuvas”, disse o arquiteto e urbanista Roger Nobre.

Dos 13 vereadores da Câmara Municipal de Valparaíso, apenas Ricardo Viana participou do encontro, como ouvinte. Lideranças comunitárias e especialistas compareceram, como Francivaldo Saboia, presidente da Associação de Síndicos, Moradores e Condomínios (AESMOC), e a arquiteta Thais Constantin.

Thais criticou a contratação de uma empresa de São Paulo para coordenar o Plano Diretor em anos anteriores. Segundo ela, mesmo sendo especialistas de outro estado, não vivenciam a rotina da cidade.

Segundo ela, a falta de planejamento urbano prejudica inclusive moradores do setor de chácaras Anhanguera, que carece de infraestrutura adequada para os moradores. “Queremos praças, escolas e infraestrutura”.

Críticas à falta de transparência

A pesquisadora de mestrado da UnB Paloma Ludmyla reforçou que o Plano Diretor é “a bússola da cidade”. Para ela, Valparaíso sofre com “epidemia de terrenos baldios” e construções em áreas de drenagem. “Esse diagnóstico de colapso pode ser revertido. Mas só com mobilização popular”, disse. Exemplo disso são as voçorocas que se formaram em diversos pontos da cidade. Segundo a especialista, são pelo menos cinco erosões que ameaçam engolir rodovias, casas e condomínios de apartamentos inteiros, gerando transtorno e ceifando vidas.

O engenheiro Alessandro Solano defendeu a criação de uma câmara técnica. “Valparaíso está entrando em estado colapsivo. Nossa vocação não é rural, nem industrial, nem turística. Precisamos de ordenamento jurídico correto”, afirmou, citando Curitiba como exemplo de cidade planejada.

Já o ambientalista Francisco das Chagas destacou que mais da metade do território já está impermeabilizado: “O inchaço explorado por construtoras trouxe déficit de esgoto, coleta de lixo e ameaça ao abastecimento de água”.

Denúncia e suspensão

Em 2022, denúncias de irregularidades na revisão do Plano Diretor levaram o Ministério Público de Goiás (MPGO) a suspender o processo. Moradores temem que, sem transparência, a retomada agrave os problemas já existentes. “O município não pode fazer mudanças de portas fechadas. Esse plano é a chance de evitar colapso em condomínios”, alertou Francivaldo Saboia.

“Olha o povo aqui”

Para muitos, o cancelamento inesperado da audiência foi uma afronta. “Foi uma surpresa chegar e não ter a reunião”, disse Carlos Roberto, representante da OSAFF e um dos pioneiros da cidade.

Já Ademir, presidente de associação de moradores e do Conselho de Segurança, reforçou o simbolismo do encontro alternativo. “Não podemos deixar nosso futuro nas mãos de construtoras ou de interesses políticos. Olha o povo aqui”.

Procurada, a Prefeitura Municipal de Valparaíso de Goiás, disse que será marcada uma nova data para a realização da Audiência Pública em relação do Plano Diretor.