Seis meses após o início da cobrança da taxa de lixo, a população de Valparaíso de Goiás — cidade com 213,5 mil habitantes e 87,4 mil domicílios, segundo dados do governo federal de 2024 — segue convivendo com ruas sujas, coleta irregular e descarte a céu aberto.

A estimativa é de que a tarifa, cobrada de 90 mil unidades habitacionais e empresariais, já tenha rendido mais de R$ 15 milhões aos cofres públicos. No entanto, o destino desse dinheiro permanece um mistério. Questionada pela reportagem sobre o montante exato arrecadado e os investimentos realizados com os valores, a Prefeitura de Valparaíso não respondeu em detalhes.

Na Vara das Fazendas Públicas da Comarca de Valparaíso de Goiás, tramita uma Ação Popular movida pelos advogados Lourinaldo da Rocha e Roberto Martins, que tenta derrubar a cobrança da taxa de resíduos sólidos ou, ao menos, garantir isenções para famílias em situação de vulnerabilidade social, especialmente aquelas participantes de programas federais de assistência.

A Saneago, responsável pela cobrança junto às contas de água, afirma que não tem autorização para conceder ou alterar isenções, pois não possui acesso a dados socioeconômicos dos contribuintes, e o módulo de isenções é controlado pela Prefeitura.
Já o município reconhece a necessidade de adequação determinada judicialmente, mas pediu prorrogação de prazo para concluir as tratativas com a companhia e cumprir integralmente a decisão.

Enquanto o impasse judicial se arrasta há meses, a população continua pagando pela taxa, mesmo sem perceber melhorias visíveis na coleta e destinação do lixo.

No bairro Parque Marajó, caminhões da própria prefeitura e de empresas prestadoras de serviço descartam lixo. Foto: Graciliano Cândido/ Jornal Opção

A equipe do Jornal Opção Entorno percorreu diversas regiões afastadas do centro, incluindo Chácaras Anhanguera, Parque Marajó, Jardim Oriente e Ypiranga, e encontrou um cenário alarmante: entulho, lixo doméstico e resíduos industriais espalhados em terrenos baldios e próximos a córregos.

Caminhão é flagrado descartando lixo em área privada. Foto: Graciliano Cândido

No Parque Marajó, caminhões acessam áreas particulares, descarregam resíduos e trancam os portões com cadeado. Em outro ponto, veículos da prefeitura e da empresa Quebec, responsável pela limpeza urbana do município, foram flagrados descartando lixo a céu aberto, em plena luz do dia. “Pagamos a taxa todo mês, mas o caminhão só passa quando quer. E agora estão jogando lixo aqui perto de casa”, contou uma moradora do bairro, que pediu para não ser identificada.

As imagens registradas são revoltantes: montes de lixo, fumaça da queima de resíduos e crianças brincando próximas aos detritos. O cenário expõe a contradição entre o discurso oficial de sustentabilidade e a dura realidade vivida nas ruas da cidade.

Frente Acadêmica de Valparaíso, denuncia dano ambiental no córrego Taveirinha. Foto: Graciliano Cândido/ Jornal Opção

Relatório técnico denuncia crime ambiental

Um relatório técnico elaborado pela Frente Acadêmica de Valparaíso (FAVAL), assinado pelo relator Prof. Francivaldo Pereira da Silva Saboia, com data de outubro/novembro de 2025, aponta descarte irregular de lixo em Área de Preservação Permanente (APP) no bairro Parque Marajó.

De acordo com o documento, caminhões da prefeitura foram flagrados despejando resíduos a apenas 60 metros do Córrego Taveirinha, o que representa risco de contaminação da água e do solo por lixiviados (chorume). A área afetada tem 1,99 hectare e vem sendo usada sem licenciamento ambiental ou fiscalização.

O relatório destaca ainda:

  • Uso de maquinário público, como retroescavadeiras e caminhões caçamba, na operação irregular;
  • Emissão constante de fumaça tóxica, com risco de doenças respiratórias;
  • Proliferação de vetores de doenças, como roedores e insetos;
  • Violação de leis ambientais, incluindo a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98) e a Política Nacional de Resíduos Sólidos (12.305/2010)RELATÓRIO Lixão Marajó.

FAVAL pede investigação e interdição do lixão

O relatório recomenda o encaminhamento imediato do caso ao Ministério Público de Goiás (MP-GO) para abertura de inquérito civil e responsabilização dos envolvidos.

Entre as medidas propostas estão:

  • Interdição imediata do local de descarte irregular;
  • Criação de novo aterro licenciado e fiscalizado;
  • Reflorestamento da área degradada e transformação em parque ecológicoRELATÓRIO Lixão Marajó.

A FAVAL conclui que o problema configura uma grave questão de saúde pública e uma emergência ambiental que exige ação imediata das autoridades.

O ex-vereador Roberto Martins, figura conhecida na política local, criticou duramente a cobrança da taxa e a falta de resultados práticos. “A taxa do lixo em Valparaíso de Goiás é meramente arrecadatória”, afirmou.

Ele lembrou que os moradores pagam R$ 25 por mês, mas não têm acesso a ecopontos, coleta seletiva ou locais adequados para descarte: “A pergunta que não quer calar é: onde estão os pontos de coleta e os ecopontos da cidade?”, questiona Martins. Segundo ele, não há locais públicos para descarte de recicláveis, entulho ou móveis velhos. “E o valor arrecadado? Parece que só entra, mas não retorna em melhorias para o cidadão nem para o meio ambiente”, desabafa.

Entenda: o que é a taxa do lixo

A taxa de manejo de resíduos sólidos, popularmente conhecida como “taxa do lixo”, é um tributo criado para custear os serviços de coleta, transporte, tratamento e destinação final do lixo urbano. A cobrança é obrigatória para os municípios desde a Lei Federal nº 14.026/2020, que atualizou o Marco Legal do Saneamento Básico.

No entanto, a legislação determina que a arrecadação deve ser vinculada à melhoria dos serviços — o que, em Valparaíso, ainda não é percebido pela população.

O contraste entre discurso e realidade

Enquanto a Prefeitura fala em sustentabilidade, o que se vê nas ruas são montes de lixo acumulado, terrenos tomados por resíduos e ausência de estrutura básica.
Sem coleta eficiente, o lixo que deveria ser tratado com responsabilidade acaba servindo de retrato do abandono. E a pergunta que ecoa entre os moradores continua sem resposta: “Se estamos pagando a taxa do lixo, por que Valparaíso continua imunda?”

A Prefeitura de Valparaíso de Goiás foi procurada para detalhar os valores arrecadados e os investimentos que estão sendo feitos na cidade. A pasta respondeu por meio de nota:

A Prefeitura de Valparaíso de Goiás informa que a Taxa de Manejo de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei Complementar nº 132, de 27 de dezembro de 2024, possui destinação específica e vinculada às ações de gestão dos resíduos sólidos do município.

Os valores provenientes dessa arrecadação são administrados em conformidade com a legislação vigente e serão aplicados em melhorias na infraestrutura e nos serviços de coleta, transporte e destinação final do lixo urbano, especialmente no Aterro Sanitário de Cidade Ocidental — local para onde são encaminhados os resíduos do município.

O Governo Municipal reforça seu compromisso com a responsabilidade fiscal, a transparência na aplicação dos recursos públicos e o aprimoramento contínuo dos serviços prestados à população valparaisense.