Taxa do lixo arrecada milhões em Valparaíso, mas moradores convivem com sujeira e descaso
12 novembro 2025 às 16h43

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Seis meses após o início da cobrança da taxa de lixo, a população de Valparaíso de Goiás — cidade com 213,5 mil habitantes e 87,4 mil domicílios, segundo dados do governo federal de 2024 — segue convivendo com ruas sujas, coleta irregular e descarte a céu aberto.
A estimativa é de que a tarifa, cobrada de 90 mil unidades habitacionais e empresariais, já tenha rendido mais de R$ 15 milhões aos cofres públicos. No entanto, o destino desse dinheiro permanece um mistério. Questionada pela reportagem sobre o montante exato arrecadado e os investimentos realizados com os valores, a Prefeitura de Valparaíso não respondeu em detalhes.
Na Vara das Fazendas Públicas da Comarca de Valparaíso de Goiás, tramita uma Ação Popular movida pelos advogados Lourinaldo da Rocha e Roberto Martins, que tenta derrubar a cobrança da taxa de resíduos sólidos ou, ao menos, garantir isenções para famílias em situação de vulnerabilidade social, especialmente aquelas participantes de programas federais de assistência.
A Saneago, responsável pela cobrança junto às contas de água, afirma que não tem autorização para conceder ou alterar isenções, pois não possui acesso a dados socioeconômicos dos contribuintes, e o módulo de isenções é controlado pela Prefeitura.
Já o município reconhece a necessidade de adequação determinada judicialmente, mas pediu prorrogação de prazo para concluir as tratativas com a companhia e cumprir integralmente a decisão.
Enquanto o impasse judicial se arrasta há meses, a população continua pagando pela taxa, mesmo sem perceber melhorias visíveis na coleta e destinação do lixo.

A equipe do Jornal Opção Entorno percorreu diversas regiões afastadas do centro, incluindo Chácaras Anhanguera, Parque Marajó, Jardim Oriente e Ypiranga, e encontrou um cenário alarmante: entulho, lixo doméstico e resíduos industriais espalhados em terrenos baldios e próximos a córregos.

No Parque Marajó, caminhões acessam áreas particulares, descarregam resíduos e trancam os portões com cadeado. Em outro ponto, veículos da prefeitura e da empresa Quebec, responsável pela limpeza urbana do município, foram flagrados descartando lixo a céu aberto, em plena luz do dia. “Pagamos a taxa todo mês, mas o caminhão só passa quando quer. E agora estão jogando lixo aqui perto de casa”, contou uma moradora do bairro, que pediu para não ser identificada.
As imagens registradas são revoltantes: montes de lixo, fumaça da queima de resíduos e crianças brincando próximas aos detritos. O cenário expõe a contradição entre o discurso oficial de sustentabilidade e a dura realidade vivida nas ruas da cidade.

Relatório técnico denuncia crime ambiental
Um relatório técnico elaborado pela Frente Acadêmica de Valparaíso (FAVAL), assinado pelo relator Prof. Francivaldo Pereira da Silva Saboia, com data de outubro/novembro de 2025, aponta descarte irregular de lixo em Área de Preservação Permanente (APP) no bairro Parque Marajó.
De acordo com o documento, caminhões da prefeitura foram flagrados despejando resíduos a apenas 60 metros do Córrego Taveirinha, o que representa risco de contaminação da água e do solo por lixiviados (chorume). A área afetada tem 1,99 hectare e vem sendo usada sem licenciamento ambiental ou fiscalização.
O relatório destaca ainda:
- Uso de maquinário público, como retroescavadeiras e caminhões caçamba, na operação irregular;
- Emissão constante de fumaça tóxica, com risco de doenças respiratórias;
- Proliferação de vetores de doenças, como roedores e insetos;
- Violação de leis ambientais, incluindo a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98) e a Política Nacional de Resíduos Sólidos (12.305/2010)RELATÓRIO Lixão Marajó.
FAVAL pede investigação e interdição do lixão
O relatório recomenda o encaminhamento imediato do caso ao Ministério Público de Goiás (MP-GO) para abertura de inquérito civil e responsabilização dos envolvidos.
Entre as medidas propostas estão:
- Interdição imediata do local de descarte irregular;
- Criação de novo aterro licenciado e fiscalizado;
- Reflorestamento da área degradada e transformação em parque ecológicoRELATÓRIO Lixão Marajó.
A FAVAL conclui que o problema configura uma grave questão de saúde pública e uma emergência ambiental que exige ação imediata das autoridades.
O ex-vereador Roberto Martins, figura conhecida na política local, criticou duramente a cobrança da taxa e a falta de resultados práticos. “A taxa do lixo em Valparaíso de Goiás é meramente arrecadatória”, afirmou.
Ele lembrou que os moradores pagam R$ 25 por mês, mas não têm acesso a ecopontos, coleta seletiva ou locais adequados para descarte: “A pergunta que não quer calar é: onde estão os pontos de coleta e os ecopontos da cidade?”, questiona Martins. Segundo ele, não há locais públicos para descarte de recicláveis, entulho ou móveis velhos. “E o valor arrecadado? Parece que só entra, mas não retorna em melhorias para o cidadão nem para o meio ambiente”, desabafa.
Entenda: o que é a taxa do lixo
A taxa de manejo de resíduos sólidos, popularmente conhecida como “taxa do lixo”, é um tributo criado para custear os serviços de coleta, transporte, tratamento e destinação final do lixo urbano. A cobrança é obrigatória para os municípios desde a Lei Federal nº 14.026/2020, que atualizou o Marco Legal do Saneamento Básico.
No entanto, a legislação determina que a arrecadação deve ser vinculada à melhoria dos serviços — o que, em Valparaíso, ainda não é percebido pela população.
O contraste entre discurso e realidade
Enquanto a Prefeitura fala em sustentabilidade, o que se vê nas ruas são montes de lixo acumulado, terrenos tomados por resíduos e ausência de estrutura básica.
Sem coleta eficiente, o lixo que deveria ser tratado com responsabilidade acaba servindo de retrato do abandono. E a pergunta que ecoa entre os moradores continua sem resposta: “Se estamos pagando a taxa do lixo, por que Valparaíso continua imunda?”
A Prefeitura de Valparaíso de Goiás foi procurada para detalhar os valores arrecadados e os investimentos que estão sendo feitos na cidade. A pasta respondeu por meio de nota:
A Prefeitura de Valparaíso de Goiás informa que a Taxa de Manejo de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei Complementar nº 132, de 27 de dezembro de 2024, possui destinação específica e vinculada às ações de gestão dos resíduos sólidos do município.
Os valores provenientes dessa arrecadação são administrados em conformidade com a legislação vigente e serão aplicados em melhorias na infraestrutura e nos serviços de coleta, transporte e destinação final do lixo urbano, especialmente no Aterro Sanitário de Cidade Ocidental — local para onde são encaminhados os resíduos do município.
O Governo Municipal reforça seu compromisso com a responsabilidade fiscal, a transparência na aplicação dos recursos públicos e o aprimoramento contínuo dos serviços prestados à população valparaisense.
