Tarifa zero chega em Luziânia
23 outubro 2023 às 19h55
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Em 2022 o Brasil contabilizava apenas 19 municípios oferecendo tarifa zero no serviço de transporte público coletivo, segundo dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). Agora, em outubro de 2023, Luziânia se torna a 101ª cidade do país a aprovar esse tipo de medida em benefício de seus habitantes, e a quinta em Goiás, após Anicuns, Aruanã, Formosa e Cidade de Goiás. O projeto de lei que implementa o programa Tarifa Zero foi sancionado pelo prefeito Diego Sorgatto (União Brasil) na última sexta (20), em cumprimento a uma de suas mais importantes promessas de campanha.
Para zerar o preço da passagem será necessário um aumento do subsídio tarifário de R$ 150 mil/mês para um valor em torno de R$ 600 mil a R$ 700 mil mensais, segundo estimativa de Sorgatto. “Vamos criar uma dotação orçamentária para custear o programa, mas o recurso principal vem de lá atrás, quando fizemos um planejamento para executar esse projeto”, explica o prefeito. “Assim como todos os municípios do Brasil, Luziânia também teve uma queda considerável em relação ao repasse dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), mas nada que atrapalhe na funcionalidade do programa Tarifa Zero, porque fizemos bem o trabalho de casa e temos a capacidade orçamentária de colocar em prática já nos próximos dias”, acrescenta.
Ele esclarece, ainda, que a medida abarca apenas os ônibus que circulam dentro do município. “O motivo é que não temos competência de regular o transporte intermunicipal, que está a cargo da Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos (AGR); e nem o interestadual, função que cabe à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)”, pontua.
À espera de regulamentação
De acordo com o projeto sancionado na semana passada, os detalhes do subsídio serão ainda definidos em contrato, contendo “o objetivo, a fonte, a periodicidade e o beneficiário”. Serão considerados os custos fixos e variáveis da operação, levando-se em conta a quilometragem a ser percorrida e as linhas especificadas em regulamento.
O próximo passo é a inserção dos termos aditivos ao contrato realizado com a operadora do serviço de transporte, a partir da ação da Superintendência Municipal de Trânsito (STM), Procuradoria-Geral e secretários de governo. Também serão elaborados decretos para regulamentar a implementação do programa.
Vale destacar que os usuários do transporte só poderão se beneficiar com a tarifa zero após fazer um cadastro e receber um cartão de bilhetagem magnético com leitura facial. Serão ainda definidos os pontos de cadastramento no município e no Distrito do Jardim Ingá. A prefeitura espera que o programa seja colocado em prática já na primeira quinzena de novembro.
Questionamentos sobre o programa
Apesar do aparente benefício da tarifa zero, o vereador Dr. Nelson Meireles (Pode) vê com reservas a nova lei. Em primeiro lugar, ele critica o fato de o projeto ter tramitado em regime de urgência, quando deveria ter sido, em sua opinião, objeto de debate em audiência pública. “Ninguém discutiu, por exemplo, a situação dos motoristas de Uber e os mototáxis, que terão seus serviços impactados por conta da gratuidade das passagens de ônibus”, argumenta.
Além disso, o parlamentar diz que não ficaram muito claras as fontes de financiamento da tarifa zero. “O que a população quer é um transporte público de qualidade e com preço justo. Alguém vai pagar essa conta. E de onde o prefeito vai tirar o dinheiro para o subsídio?”, questiona.
Para o vereador, outro problema é a ausência de um procedimento licitatório. “A empresa de ônibus atual já recebeu mais de R$ 3,5 milhões em repasses municipais e federais, e o serviço é ruim. Deveria haver um processo de licitação, em que diversas empresas legalmente constituídas pudessem participar, até para discutir preço e qualidade”, salienta.
Tarifa zero no Brasil
O diretor de Gestão da NTU, Marcos Bicalho, avalia que a tarifa zero a ser adotada por Luziânia faz parte de uma tendência entre os municípios brasileiros surgida desde o fim da pandemia. A crise sanitária, segundo ele, gerou um grande desequilíbrio econômico no setor, estimulando a busca por soluções alternativas. Primeiramente, houve a opção pelo subsídio público, em que o usuário paga uma parte do custo e o governo, por meio de seu orçamento, complementa o valor do custo total. “Poucas cidades praticavam o subsídio público antes da pandemia e hoje temos mais de 160 municípios utilizando essa opção”, afirma. “A tarifa zero seguiu pelo mesmo caminho”.
A gratuidade das passagens, de acordo com Bicalho, era uma medida aplicada apenas por prefeituras de municípios de menor porte, com menos de 50 mil habitantes, mas logo cidades maiores aderiram à iniciativa.
Para ele, a implementação desse tipo de política deve ser cuidadosa, pois há consequências inerentes à gratuidade do serviço. “Notamos que todas as cidades com tarifa zero experimentaram um aumento no número de passageiros. Algumas, como Caucaia, município com mais de 300 mil habitantes e localizado na região metropolitana de Fortaleza (CE), quadruplicou a demanda no espaço de um ano após a implantação da medida”, relata. “Se há crescimento na demanda, você precisa aumentar a oferta e, portanto, haverá maiores custos na prestação do serviço”, pontua.
No caso específico de Luziânia há, ainda, outra situação a ser considerada. “Ao zerar a tarifa local e continuar cobrando normalmente a passagem de deslocamento até o Distrito Federal e outros municípios, a tendência será as pessoas tentarem uma ocupação na própria cidade, para não pagar pelo transporte”, analisa. “Isso pode mexer na dinâmica dos empregos”.
Gratuidade em discussão
A adoção de passagens gratuitas no sistema de transporte público coletivo é objeto de discussão até mesmo na Câmara dos Deputados. A deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP) é autora da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 25/2023, que determina a criação do Sistema Único de Mobilidade (SUM), o qual estabelece gratuidade no transporte público para todos os brasileiros.
As verbas para financiar a medida viriam de um novo tributo, além de recursos da União, estados, municípios e DF. “É provável que essa iniciativa, se aprovada, torne mais viável a implementação da tarifa zero, pois há divisão de responsabilidades entre os entes federados”, avalia Marcos Bicalho. “O SUM significa a integração dos níveis de governo para a execução de uma política pública. É uma ideia interessante a qual temos acompanhado com muita atenção, porque pode trazer caminhos para o financiamento do setor”, conclui.