O imbróglio começou com a derrubada de uma árvore, que foi registrada em uma filmagem realizada por um morador do distrito nesta semana. Ao visualizar o vídeo, a produtora cultural Carolina Abad resolveu se dirigir até o local. “A árvore serve de pouso para os tucanos e para as araras, é icônica. As pessoas choraram, pois isso mexeu com o emocional de todos”, relata.

Entre as árvores centenárias nativas do Cerrado derrubadas estão uma sibipiruna e uma maria-preta. Além disso, um jatobá, que foi tombado pelo Conselho do Patrimônio Histórico e Cultural em março de 2006, passando, assim, a ser protegido por lei. No entanto, foi retirado local.

Ao chegar à paróquia, Carolina solicitou o laudo de autorização da derrubada ao responsável da empresa contratada pela igreja. “Ele estava se recusando a falar o nome dele. Nessa discussão, a polícia foi acionada por uma moradora que não gosta das tradições da cidade, assim que a comunidade começou a chegar por conta da derrubada das árvores”.

Moradores alegam que todo esse celeuma começou a partir do novo projeto da paróquia. Foto: Divulgação

De acordo com a produtora cultural, a moradora citada é dona da pousada que fica na esquina da praça, sendo uma espécie de vigilante “moral” da cidade. “Tudo o que está acontecendo na praça é com o aval dela; o projeto da igreja, inclusive, foi criado pelo seu filho”, afirma.

Diante da presença da polícia, foi apresentado um laudo e nele constavam duas árvores maiores com broca; todavia, em relação à espécie jatobá, não havia nenhum problema. Moradores alegam que todo esse celeuma começou a partir do novo projeto da paróquia.

Segundo Carolina, essas ações estão sendo feitas pela paróquia por meio do Padre Cleyton Garcia, que chegou recentemente à cidade juntamente com a proprietária da pousada. Esta, por sua vez, é uma das conselheiras da igreja e ambos decidiram acabar com uma das tradições mais antigas da cidade, a Feira do Troca.

A moradora Ilda Maria Ribeiro diz que está havendo uma imposição por parte da igreja e da prefeitura, sem consultar a comunidade. “Eu sou totalmente contra a derrubada das árvores, pois eu acho um crime, um absurdo. Se o terreno é da igreja, eu acho que poderia haver um entendimento entre igreja e comunidade”, sugere.

Tradição ameaçada pela paróquia

A Feira do Troca existe desde 1974, criada pela professora da Universidade de Brasília (UnB) Laís Aderne, e tem como propósito a sustentabilidade econômica dos artesãos locais. Seu início foi marcado por trocas de artefatos entre os artesãos da região e os visitantes. Desde então, tornou-se um evento tradicional, emblemático e turístico, que movimenta a região. Neste ano, a 97ª edição, que sempre foi realizada na praça do Santo Antônio, não acontecerá no mesmo local, pois foi transferida para a Rua José Fernandes.

Em junho deste ano, logo após a Feira do Troca do primeiro semestre, segundo informações dos moradores, o padre Cleyton começou a falar mal da Feira do Troca e dos habitantes do distrito. Na época, ele disse que não permitiria mais que a feira acontecesse na praça do Santo Antônio, que faz parte do patrimônio cultural e material do distrito.

Carolina desabafa: “A praça agora está morta. Desde que esse padre veio para o vilarejo, ele entrou nessa briga contra Olhos D’ Água, a Feira do Troca e tudo o que acontece aqui. Antes havia uma feira permanente de agricultura e ele também tirou do local”.

Quem também questiona a gestão da paróquia é a pedagoga e artesã Alecsandra Brasil. Ela disse que a retirada das árvores para revitalizar a igreja está destruindo a cultura do distrito de Olhos D’Água. “O que vem acontecendo há algum tempo é que a paróquia de Alexânia, com a conivência da prefeitura, vem apagando a identidade cultural e histórica deste vilarejo sob a justificativa de revitalizar um espaço que é a maior marca do distrito. Revitalizar não justifica a destruição de árvores centenárias e espécies como o jatobá, deixando a praça em péssimas condições. Destruíram o coreto, fincaram uma cruz desproporcional e estão construindo calçadas que se sobrepõem ao gramado antes existente”, denuncia a moradora.

A praça onde normalmente acontece a Feira do Troca está interditada. “Estamos há 4 dias desse evento, o maior do distrito, e os visitantes e participantes da feira se depararão com o centro todo revirado e a praça interditada”, relata Alecsandra.

De acordo com o presidente da Associação de Artesãos Ceramistas de Olhos D’Água, Djalma Valois, a mudança se deu porque o padre Cleyton solicitou. “A prefeitura alterou o local devido à intransigência do pároco. Durante anos a praça foi cuidada pela prefeitura com recursos públicos, a qual fazia até o pagamento de energia elétrica. Em contrapartida, o município usava a praça para as atividades culturais do distrito”. Djalma divulga que a associação está convocando os moradores de Alexânia e do vilarejo de Olhos D’ Água para um protesto neste final de semana, para solicitar que a praça volte a ser do povo.

Djalma Valois: “A prefeitura alterou o local devido à intransigência do pároco”. Foto: Divulgação

A Secretaria de Meio Ambiente de Alexânia, por sua vez, disse, em nota, que o terreno não é público: “O espaço conhecido como ‘Praça Santo Antônio’ no Distrito de Olhos D´Água é um imóvel particular pertencente à Paróquia Santo Antônio (Diocese de Anápolis). Costumeiramente, a paróquia cedia o uso desse imóvel para a realização da Feira do Troca, o que não foi autorizado para a edição de dezembro”.

A Diocese de Anápolis também foi procurada, mas até o fechamento desta matéria, não obtivemos resposta. Confira o vídeo da retirada das árvores!