Em um ambiente cercado por árvores centenárias, mata ciliar margeando o rio Vagafogo, frutos do Cerrado e uma incrível biodiversidade, reside a família Ayer, que adotou o espaço, localizado em Pirenópolis, como uma espécie de “paraíso terrestre” em plena Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (Ride-DF).

O casal Evandro Ayer e Catarina Schiffer comprou a Fazenda Vagafogo em 1975, quando tudo aquilo literalmente “era mato”, mas não trouxe consigo o ímpeto dos desbravadores que derrubam o verde para erigir o concreto. Para ambos, o importante era se integrar à natureza, conviver harmonicamente com a fauna e flora do Cerrado e plantar o próprio alimento. Também utilizaram o leite e frutos típicos do bioma para produzir itens gastronômicos, os quais foram comercializados ao longo de uma década em Brasília. E assim, na simplicidade, obtiveram o sustento para eles e os filhos Uirá e Maíra.

Os clientes brasilienses se tornaram amigos e frequentadores da Vagafogo, numa época em que o turismo se encontrava em ascensão no município de Pirenópolis. Neste cenário, a Fundação Pró-Natureza (Funatura), com parceria da embaixada britânica, sugeriu que a fazenda se tornasse uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), cujo registro veio após um Plano de Manejo, abarcando 30% da propriedade.

Evandro Ayer e o neto Rudah, que representa hoje a terceira geração a manter o Santuário (Foto: Divulgação)

O local abriu oficialmente à visitação pública em 1992 e essa inauguração contou com a presença de ninguém menos que o Príncipe Philip, na época presidente da organização não-governamental World Wildlife Fund (WWF), que ajudou a bancar a construção do Centro de Visitantes para a recepção dos turistas. Hoje, o intitulado Santuário de Vida Silvestre Vagafogo é um disputado ponto turístico em Pirenópolis, seja pelas paisagens naturais ou pelo famoso brunch com itens do Cerrado produzidos de forma sustentável no próprio estabelecimento.

Recentemente, o pioneiro Evandro Ayer completou 80 anos e, nesse clima festivo, seu filho, Uirá Ayer, concedeu entrevista ao Jornal Opção Entorno, em que contou um pouco sobre a trajetória da Vagafogo e sua contribuição na preservação ambiental.

O famoso brunch da Vagafogo, com 45 itens do Cerrado produzidos de forma sustentável (Foto: Divulgação)

Luciana Amaral – Gostaria que o senhor contasse um pouco da história e do pioneirismo de Evandro Ayer e Catarina Schiffer ao idealizarem a Vagafogo.

Uirá Ayer – Evandro é mineiro de Alfenas, formado em Direito; e Catarina é de São Paulo, capital, formada em Administração. Os dois se encontraram na Bélgica, na década de 1960, se conhecendo numa comunidade alternativa. Eles passaram por alguns lugares no exterior e aprenderam outras línguas.

Quando retornaram ao Brasil, se apaixonaram por Pirenópolis. Então, alugaram uma casa e compraram uma terra, uma área de nove alqueires e meio. A proposta era fazer com que esse local oferecesse sustento a eles, a mim e à minha irmã Maíra. Isso foi há quase 50 anos.

No início, a ideia era sobreviver daquilo que plantávamos, como arroz, feijão e outros. Depois, identificamos outras formas de aproveitar um pouco as frutas e o leite, e passamos a vender nossa produção em Brasília, durante 10 anos. Isso gerou uma clientela e esses clientes começaram a visitar a fazenda como amigos.

Trecho da Trilha Mãe da Floresta (Foto: Divulgação)

Luciana Amaral – Quando a Vagafogo passou a ser considerada uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e qual a importância dessa área como exemplo de preservação ambiental?

Uirá Ayer – Nos anos 90, a Funatura propôs que a fazenda fosse transformada em RPPN. Assim, conseguiríamos recursos para manter preservado aquele ambiente. Foi realizado um Plano de Manejo e, então, registrada oficialmente a RPPN, tornando o Santuário de Vida Silvestre Vagafogo a primeira reserva do tipo no Brasil.

O fato de sermos uma RPPN não é exatamente o que motiva os turistas a virem ou que nos ajuda em termos de mídia, mas traz algo importante: as futuras gerações vão ter de dar continuidade à preservação da área.

Foto: Divulgação

Luciana Amaral – Poderia contar um pouco da história de como e por que o Reino Unido investiu na Vagafogo?

Uirá Ayer – A Funatura, com sede em Brasília, nos ajudou a transformar a área em RPPN e tinha muitos vínculos com outras ONGs, sendo uma delas a WWF, presidida pelo Príncipe Philip. A partir daí, conseguimos, por meio da Funatura, o apoio do governo britânico, da WWF e da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, os quais ofereceram recursos para o desenvolvimento de todo o projeto de construção do Centro de Visitantes, onde recebemos os turistas, e a realização de pesquisas de fauna e flora na região. Acabou que o príncipe veio ao Brasil e, em 19 de março de 1992, ele esteve presente na Vagafogo. Abrimos a fazenda à visitação pública com chave de ouro.

Posteriormente, paramos de ir a Brasília para vender nossos produtos e passamos a recepcionar turistas na Vagafogo. Descobrimos o potencial do turismo e começamos também a receber escolas para projeto de educação ambiental e outros grupos, como o de melhor idade.

No percurso da trilha, há uma piscina natural com água potável e uma pequena queda d’água (Foto: Divulgação)

Luciana Amaral – Além do Príncipe Philip, a Vagafogo já contou com outras presenças ilustres. Poderia citar algumas delas e como isso, de certa forma, alavancou o turismo na região?

Uirá Ayer – Tivemos o príncipe como a primeira pessoa que nos ajudou a dar personalidade a esse ambiente e a mídia trabalhou isso muito, também. Mário Soares foi outro que nos visitou, assim como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, mas foi há muito tempo, e não nessa gestão. Várias pessoas ilustres nos visitaram porque era um projeto interessante, cujo proprietário queria preservar e queria viver da terra.

Evandro, Catarina e os netos (Foto: Divulgação)

Luciana Amaral – A embaixada do Reino Unido colaborou para a construção das trilhas nas imediações da propriedade. A Vagafogo ainda mantém parceria com essa embaixada?

Uirá Ayer – Tivemos o príncipe Philip como um dos apoiadores do Centro de Visitantes, depois houve um outro projeto com o governo britânico para a construção da Trilha Mãe da Floresta, que contém passarelas de madeira.

Uirá Ayer, esposa e filhos (Foto: Divulgação)

Luciana Amaral – Como funciona o Projeto de Educação Ambiental nas trilhas?

Uirá Ayer – As escolas contratam o nosso serviço, oferecemos uma palestra e acompanhamos o grupo pela mata. Os estudantes também degustam os produtos elaborados na fazenda, que a gente chama de brunch infanto-juvenil.

Desenvolvemos, ainda, trabalhos junto a empresas e recebemos turmas de faculdades, como as de gastronomia e de turismo, ou o pessoal do Instituto Federal de Brasília (IFB) e Instituto Federal de Goiás (IFG), mostrando nossa experiência de como conseguimos fazer com que esse pedaço de terra se tornasse sustentável.

Luciana Amaral – Qual a importância da Vagafogo como exemplo de preservação da biodiversidade do Cerrado?

Uirá Ayer – Hoje a Vagafogo é um dos maiores corredores ecológicos que existem em Pirenópolis, fazendo ligação com o Rio das Almas, com o condomínio Vagafogo e alguns outros parceiros ao redor. Temos uma fauna rica, com quatro tipos de onça, veado-campeiro e mateiro, tamanduá-bandeira e mirim, mais de 300 espécies de pássaros, mais de 500 espécies de borboletas, mais de 15 espécies de cobras e umas 50 de peixes, além de outros animais. Falando em Cerrado, temos também uma flora com diversidade maravilhosa. É mais ou menos um pouco do que a Vagafogo tem dentro dela e em seu entorno.

A fauna local chama a atenção: são mais de 300 espécies de pássaros (Foto: Divulgação)

Luciana Amaral – Um dos atrativos da Vagafogo é um brunch com itens do Cerrado. Poderia falar um pouco mais sobre essa opção gastronômica disponível no estabelecimento?

Uirá Ayer – Hoje temos 80 produtos feitos na propriedade, oriundos de manejo sustentável. Essa produção é comercializada aqui e oferecida em um brunch, que é uma mesa de degustação disponibilizada em três horários: 9h, 11h e 13h. Nessas ocasiões são ofertados ao turista 45 itens e 14 harmonizações. É uma mesa bem interessante, com iguarias feitas a partir de frutos do Cerrado, chutneys, pão de mel húngaro, geleia de cagaita, de pequi e muito mais.

Luciana Amaral – Evandro Ayer completou recentemente 80 anos. Como foi a comemoração?

Uirá Ayer – Meu pai fez 80 anos em 9 de janeiro e fizemos a comemoração juntando amigos e parentes. Foi uma festa do milho: gastamos 1.200 espigas para fazer pamonha doce, assada e vários outros produtos.

A Vagafogo hoje se encontra na terceira geração. Eu sou a segunda. A minha irmã mora fora há um bom tempo. E a terceira geração são os meus filhos: Rudah, o mais velho; Eloah e Mariah, todos morando aqui na fazenda e todos sobrevivendo da mesma. Então, damos continuidade a esse sonho, idealizado tempos atrás. Estamos aqui, desenvolvendo e protegendo cada vez mais esse lugar.

Arvorismo (Foto: Divulgação)

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