Com uma plataforma política pautada no combate à corrupção, a vereadora Fernanda Martins de Lima, mais conhecida como Delegada Fernanda (SD), conquistou a confiança de 1.377 de formosenses no último pleito, em 2020, sendo a parlamentar mais votada no município. Um feito admirável, principalmente levando-se em conta de que não houve uso de recursos públicos na campanha, é o seu primeiro mandato e ela não tem familiares ou parentes envolvidos com o meio político. Além disso, com a pandemia no auge, não foi possível o tête-à-tête com os eleitores nas ruas.

Defensora de uma “nova política”, sem esquemas escusos, “jeitinho” ou o famoso toma-lá-dá-cá, a delegada é forte opositora ao atual gestor de Formosa e faz duras críticas ao prefeito Gustavo Marques (Pode). Atualmente, lidera a chamada “Bancada da Independência”, um grupo de oposição formado por ela e mais três vereadores.

Nesta entrevista ao Jornal Opção Entorno, Delegada Fernanda diz que, em 2024, pretende alçar novos voos e já se considera pré-candidata à gestora do Executivo municipal, com chances reais de ganhar a disputa. E ela tem mesmo potencial de sobra para chegar lá: pesquisa realizada pelo Instituto Podium em junho já estima quase 42% das intenções de voto. Mas, enquanto as eleições não vêm, ela se divide entre seu trabalho como policial na Central de Flagrantes de Formosa, sua atuação como parlamentar e uma especialização em Gestão Pública Municipal pela Universidade de Brasília (UnB). “Estou me preparando para, se for a vontade do povo, poder exercer o mandato de prefeita com bastante responsabilidade”, discursa.

Luciana Amaral – Este é o seu primeiro mandato como vereadora. Por que resolveu entrar na política e quais valores você leva de sua trajetória para a tribuna da Câmara Municipal?

Delegada Fernanda – A gente vê nos noticiários a quantidade de operações e de esquemas envolvendo o mau uso do dinheiro público e isso sempre me incomodou, porque as pessoas pagam tantos impostos e têm uma vida sofrida, difícil. Falta acesso a um serviço público de qualidade, enquanto maus políticos fazem mau uso do dinheiro público. Isso sempre me causou indignação. Fui titular da Delegacia da Mulher em Formosa durante sete anos e desenvolvi um trabalho que me trouxe reconhecimento tanto por parte do ministério da Justiça, quanto da população da cidade. A partir disso, houve um forte apelo popular para que eu me tornasse candidata à vereadora, no ano de 2020. Portanto, foi um movimento da própria população, porque não tenho parentes na política, não sou filha de políticos e meu marido não é político. Quis responder a esse forte apelo popular e à insatisfação que eu tinha em ver coisas erradas acontecendo e de querer desenvolver projetos que não conseguia por esbarrar na questão da falta de vontade política. Atualmente, acumulo as funções de vereadora e delegada de polícia. Na equipe Bravo, da Central de Flagrantes, trabalho no atendimento direto à população e no combate a diversos crimes, como latrocínio, homicídio, violência doméstica, tráfico de drogas, entre outros. Nossa atuação não é só em Formosa, mas também em outras localidades, como Alto Paraíso, Água Fria, Vila Boa e Planaltina.

Vereadora atuante, Delegada Fernanda comanda na Câmara Municipal a “Bancada da Independência” (Foto: Divulgação)

Luciana Amaral – Na Câmara Municipal, você faz parte da chamada “Bancada da Independência”. Quais princípios regem essa bancada e quantos parlamentares a integram?

Delegada Fernanda – Sou líder da Bancada da Independência, formada pela união de quatro vereadores: eu, Ciê do Sacolão (Avante), Valdson José (SD) e Hermes Costa (Pode). Ela surgiu em torno de alguns ideais, como transparência, honestidade e, como o próprio nome diz, independência do Poder Legislativo. Infelizmente, a Câmara funciona como um “puxadinho” da prefeitura. Então falta autonomia, falta independência e falta fiscalização dos atos do Poder Executivo. Isso faz muito mal para o desenvolvimento da cidade e para a defesa dos interesses da população. Por isso a gente criou essa bancada, que é de oposição e luta por mais transparência, pelo bom uso do dinheiro público e pela independência do Poder Legislativo.

Luciana Amaral – Em outubro, uma decisão judicial determinou que quase 500 ocupantes de cargos comissionados deveriam ser exonerados, pelo fato de suas funções não serem de direção, chefia ou assessoramento. Essa decisão foi realmente cumprida?

Delegada Fernanda – Houve decisão da Justiça para que os comissionados fossem exonerados, porque a lei que amparava a nomeação deles não previa exatamente quais eram as atividades que eles iriam exercer. Então, haveria um desvio de função. Eles não estariam em cargos de chefia, direção ou assessoramento, mas estariam realizando atividades rotineiras, para as quais necessitaria de um concurso público. Por esta razão, os quase 500 comissionados foram exonerados. Posteriormente foi votada uma nova lei na Câmara, trazendo a relação de atividades que cada um iria desenvolver e alguns foram recontratados, mas não todos. As funções, neste caso, estavam caracterizadas como de direção, chefia ou assessoramento.

Luciana Amaral – Você acha que o fato de ter tanta gente exonerada prejudicou a gestão pública, de certa forma?

Delegada Fernanda – Infelizmente, Formosa sofre do problema do excesso de cargos. É uma máquina muito inchada. Além disso, vira e mexe recebemos denúncias de cargos “fantasmas”. Acaba sendo um cabide de empregos.

Luciana Amaral – Há quanto tempo não é realizado um concurso público?

Delegada Fernanda – Há mais de uma década. Estou na cidade desde 2014 e nunca teve concurso. E isso é uma péssima prática dos gestores, porque acabam colocando apenas os comissionados, desviando-os de função. Assim, não são contratadas pessoas que efetivamente entrem por mérito. Tal situação deixa a população muito descrente da política. Fica um sentimento de injustiça.

Na UnB, a parlamentar estuda Gestão Pública Municipal (Foto: Divulgação)

Luciana Amaral – E mesmo com tanta gente contratada sem concurso, houve problemas de atraso nos salários de coletores de lixo, além da falta de respeito ao piso salarial de profissionais da saúde e do magistério. Como está essa situação atualmente?

Delegada Fernanda – A prefeitura não cansa de nos decepcionar. Tivemos problemas de atraso no pagamento da empresa de coleta de lixo. Foi encerrado o contrato e demoraram para fazer a rescisão. Com isso, os coletores foram prejudicados e não receberam os seus salários. Houve ainda um desrespeito total em relação ao pagamento do piso do magistério, o qual foi parcelado em três vezes. Em janeiro, quando vier a terceira parcela, o piso vai estar defasado. Os profissionais da saúde também conseguiram aprovação do piso nacional na Câmara de Vereadores e o dinheiro foi repassado pela União, mas até agora ninguém recebeu. Eles alegam que não podem pagar credenciados, estão aguardando parecer jurídico e que há orientações de notas técnicas dos conselhos de saúde, mas tudo isso não procede. É falta de vontade política mesmo.

Luciana Amaral – Por meio do projeto “Quer Café?”, você tem ido às residências em Formosa para ouvir as reivindicações dos moradores. Quando surgiu essa iniciativa e como as pessoas podem participar?

Delegada Fernanda – Esse projeto começou em setembro, após pensarmos em maneiras de como poderíamos inovar na condução do mandato. Então, chegamos a esse formato, que é uma adaptação de algo que já fazia como parlamentar e delegada, que é ouvir a população. As pessoas entram em contato conosco, pessoalmente ou pelas redes sociais, manifestando interesse em participar do quadro “Quer Café?”. Visitamos gente de todos os cantos da cidade e de todas as classes sociais, que dizem como se relacionam com o município, quais seus anseios e o que pode ser realizado pelo Poder Público para melhorar suas vidas. Com isso, conseguimos subsídios para formular políticas públicas que atendam a todos e podemos cobrar do Executivo, para que sejam feitas ações específicas de acordo com as demandas. Assim, o orçamento do município pode ser aplicado de maneira mais eficiente.

Luciana Amaral – Um estudo do Ipea, intitulado “Projeto Competitividade e Governança das Cidades Médias do Brasil”, traz uma relação de municípios considerados vetores de desenvolvimento do interior. Formosa está nessa relação. Quais potenciais econômicos você destacaria no município?

Delegada Fernanda – A cidade é um polo do agronegócio e tem grande potencial, tanto industrial quanto turístico. Formosa tem um comércio pujante, mas ainda carece de incentivos em diversas áreas e serviços básicos para os trabalhadores. Esta, aliás, é uma questão levantada pelos próprios empresários, que geram empregos na cidade. Eles dizem que precisam de serviços públicos que funcionem bem para os trabalhadores, pois isso traz impactos diretos nos negócios. A cidade também carece de segurança energética. Por esta razão, grandes empresas deixam de vir para cá, porque falta energia. E é necessário um envolvimento do Poder Executivo na criação de incentivos fiscais, para que seja possível expandir o potencial econômico, atrair empresas e gerar empregos. Infelizmente, esse tipo de proposta não aparece na Câmara. Chegam, na realidade, projetos que aumentam impostos e criam mais taxas, todos enviados pelo Executivo.

Foto: Divulgação

Luciana Amaral – Pesquisas mostram que você é favoritíssima à prefeitura de Formosa em 2024. Sua intenção é se candidatar pelo PL?

Delegada Fernanda – Estamos tratando essa questão com nosso grupo político. Não temos ainda uma definição quanto a futuras filiações. Por enquanto, estou no partido Solidariedade e iremos respeitar a janela partidária prevista para março, quando haverá filiações a outros partidos. Queremos unir esforços com grupos e pessoas que sejam bem-intencionadas, para tirar nossa cidade do atraso que se encontra e para que o dinheiro público seja bem utilizado, em benefício do povo. Formosa é uma das 10 maiores cidades do estado de Goiás, tem um grande potencial, como a gente falou, mas infelizmente não se desenvolve, porque falta vontade política do Poder Público para conseguir mais benefícios, recursos e mais geração de emprego e renda.

Luciana Amaral – Caso seja eleita, quais seriam as suas primeiras ações como gestora do município?

Delegada Fernanda – É importante, na próxima gestão, que a gente pense em maior transparência, inserindo mecanismos para que os cidadãos sejam bem-informados quanto ao uso do dinheiro público. Pensamos também em restabelecer condições mínimas para uma boa prestação dos serviços públicos. Atualmente falta manutenção nos postos de saúde, nas escolas e nos equipamentos públicos. As ruas estão esburacadas, os postos de saúde estão sem medicamentos e médicos, as escolas estão caindo aos pedaços e as pessoas acabam ficando muito desanimadas. Queremos resgatar a confiança na administração pública, para que possamos, de fato, dialogar com outras esferas e ter uma boa relação com os governos estadual e federal, a fim de obter investimentos em infraestrutura viária, energética e industrial. Vale destacar que acabamos de aprovar na Câmara o orçamento para o próximo ano: são R$ 417 milhões. É um valor considerável. O problema é o mau uso dessas verbas e a corrupção, que acabam fazendo com que o dinheiro vá pelo ralo.