“Nossa luta é contra um sistema marcado por muita corrupção”
04 dezembro 2023 às 10h36
COMPARTILHAR
Líder comunitária, a vereadora Meiranny Reis (PP), de Santo Antônio do Descoberto, acreditou que a política seria um meio de expandir sua atuação junto aos habitantes do município. Para ela, a cidade ainda apresenta muitas carências e as pessoas parecem conformadas com a situação, ficando alheias ao que ocorre politicamente.
No último pleito, em 2020, Meiranny ganhou a confiança de 458 eleitores, em sua primeira disputa política oficial, e ocupou uma cadeira na Câmara Municipal de Santo Antônio do Descoberto disposta a fazer a diferença.
Logo em sua primeira atividade parlamentar, durante a pandemia, percebeu que o “jogo” não seria simples. Teve propostas boicotadas e tornou-se forte opositora do prefeito Aleandro Caldato (UB) que, segundo ela, não faz uma gestão “transparente”.
Porém, a resiliência sempre fez parte de sua personalidade, moldada também pelos anos de experiência como policial civil no Distrito Federal. Além disso, conta com o apoio de um amigo de longa data, o também vereador Neném da Civil (PP), e ainda, de outro parlamentar, Wagner da Cupido (PL).
Nesta entrevista ao Jornal Opção Entorno, a vereadora fala sobre o seu trabalho na Câmara Municipal, cita denúncias realizadas contra a prefeitura e revela suas pretensões eleitorais para 2024.
Luciana Amaral – Sua eleição como vereadora se deu na coligação de André do Premium (Avante), candidato derrotado a prefeito, mas não havia uma intenção clara de sua parte de ser uma parlamentar de oposição à gestão de Aleandro Caldato. Quando isto ocorreu?
Meiranny Reis – Eu particularmente não tinha isso em mente, mas tanto eu, quanto o vereador Neném da Civil, que somos do mesmo partido, vimos que as coisas não estavam acontecendo como deveriam. Já no primeiro projeto de lei, durante o período de pandemia, em 2021, eu votei contra. A proposta visava contratar vários servidores comissionados e vi que aquilo era ilegal. Percebi que não havia, por parte da administração municipal, um desejo de fazer as coisas com total transparência, zelando pelas pessoas. Tudo tinha um “jeitinho”. E quando sugerimos para o prefeito fazer as coisas do jeito certo, percebemos que ele não iria acatar. Ele chegou a apresentar um projeto para colocar o IPTU na conta de água ou luz, mas a lei não permitia isso. Divulgamos nas redes sociais essa ilegalidade e outros vereadores também recuaram diante da proposta. Vários outros projetos foram assim. Em tudo o que eles fazem, tem que ter um “jabuti” no meio. O prefeito queria, por exemplo, que a Câmara Municipal autorizasse o
Executivo a fazer dação em pagamento, que é uma modalidade de receber dívidas por decreto, sem autorização legislativa. A gente votou contra.
Luciana Amaral – Mesmo assim, essa proposta passou na Câmara?
Meiranny Reis – Na época, o Neném era da Comissão de Constituição e Justiça e esta deu parecer contrário ao projeto. A inconstitucionalidade era explícita. Mas é tipo assim: se pegar, pegou. Às vezes passam leis inconstitucionais, elas ficam vigentes por anos e lá na frente são revogadas.
Luciana Amaral – Recentemente, o Executivo enviou um projeto de lei que retira 30% dos recursos arrecadados com a taxa de iluminação pública para uso em outras finalidades. Inclusive, o Neném denunciou isso nas redes sociais. Isso aí seria um outro “jabuti”, como você mencionou?
Meiranny Reis – Neste caso, não, porque há uma emenda constitucional permitindo aos municípios fazer isso. No governo, seja federal ou estadual, há muitas receitas vinculadas, ou seja, com destinação específica. Então, quando os municípios resolvem um problema, se sobrar dinheiro, podem utilizá-lo em outras coisas. No nosso município, porém, qual foi a imoralidade? Há localidades sem energia elétrica pública disponível. Como você quer gastar em outra coisa, se esse problema não foi resolvido? Portanto, o projeto dele poderia até não ser ilegal, como nos outros casos, mas é imoral.
Luciana Amaral – Em Santo Antônio do Descoberto há apenas você, o Neném e o Wagner da Cupido como bancada de oposição ao prefeito?
Meiranny Reis – Somente nós três. Desde o início, eu e o Neném já atuávamos como oposição, recebemos diversas denúncias, e agora veio o Wagner. Muita gente acha que ele mudou de lado por mera conveniência, mas eu acho que, na realidade, as pessoas têm limite para a imoralidade. Acredito que o Wagner rompeu com o prefeito quando surgiu um projeto de mudança da Lei Orgânica, em que a remuneração não poderia ser menor que o salário mínimo. Só que existe diferença entre remuneração e vencimento. A remuneração compreende o vencimento mais os adicionais. Tem gente na cidade que recebe vencimentos inferiores ao salário mínimo e só atingem ou ultrapassam o valor com os bônus e incentivos. O Wagner não concordou, dizendo que isso seria maltratar demais a população, e o prefeito exonerou pessoas ligadas a ele.
Luciana Amaral – E por falar em oposição, quais os desafios de ser uma vereadora oposicionista atuante e qual a importância disso para a democracia?
Meiranny Reis – Como vereadores, somos eleitos para legislar, analisar os projetos do Executivo, apresentar os nossos e fiscalizar as ações do governo. A fiscalização traz um equilíbrio. Afinal, estamos falando de uso do dinheiro público. Aparentemente, nem sempre nossas lutas são vitoriosas, mas acabam sendo, sabe por quê? Muitas vezes eles deixam de fazer coisas erradas ou arrumam o que está errado, porque fiscalizamos. Houve casos em que eles tentaram ajeitar coisas para desconstruir as denúncias que fizemos. Portanto, a fiscalização é importante demais, mas quem quer cometer irregularidades, não gosta do nosso trabalho. Atualmente, temos denúncias em diversos órgãos, como o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCMGO), a Controladoria-Geral da União (CGU), a Superintendência de Vigilância em Saúde (Suvisa), o Ministério Público e outros.
Luciana Amaral – E quais principais denúncias destacaria?
Meiranny Reis – Recebemos pequenas denúncias todos os dias. Já as denúncias maiores somos nós mesmos que observamos e vamos atrás para investigar. Uma delas diz respeito a algumas irregularidades que vimos na Central de Abastecimento Farmacêutico (CAF). É lá que chega toda a medicação posteriormente distribuída para as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e para o hospital do município. Percebemos que não havia controle de entrada e saída de medicamentos e muitos estavam vencidos. A partir de um relatório, fizemos uma denúncia à Suvisa, ao MP e ao TCM. O promotor visitou o lugar e também detectou várias irregularidades, tanto que virou inquérito penal.
Luciana Amaral – Vocês conversaram sobre essa denúncia com o secretário de Saúde?
Meiranny Reis – No início, eu tinha até um bom diálogo com ele. Mas quando começamos a soltar algumas denúncias e fazer alguns vídeos, ele começou a entrar em confronto com a gente. Um exemplo disso foi o superfaturamento de uma peça. Eu e Neném estávamos fiscalizando o hospital do município e, quando vimos o odômetro da ambulância, percebemos que o óleo já deveria ter sido trocado duas vezes. Ao veicularmos a denúncia, o secretário disse que estávamos inventando, que as trocas haviam sido feitas, mas somente o selo com as informações das substituições não estava colado no veículo. Então, fomos a Goiânia, no local onde a ambulância é deixada para conserto. Fiz, em três lugares diferentes, o orçamento de uma peça que eles haviam trocado. Percebi que o preço pago pela prefeitura foi de quase 1.000% a mais. Com isso, denunciei o caso como superfaturamento e fomos enquadrados pela prefeitura como “vereadores fake news”. Hoje eles estão respondendo por esse superfaturamento e o TCM já solicitou diversos documentos.
Luciana Amaral – Ainda, sobre os cargos comissionados, a cidade não tem concurso público há muitos anos, certo? Há perspectiva de mudança?
Meiranny Reis – Desde 2011 não temos concurso público. E não vejo sinais de que isso vá mudar, pois a prefeitura é a maior fonte de postos de trabalho do município e não temos indústrias que gerem empregos e renda na cidade. Além disso, eles monitoram os servidores, a ponto de advertir aqueles que simplesmente curtirem uma publicação minha, do Neném ou do Wagner. Eles usam esses cargos para fazer o que bem entenderem e não têm interesse, por esta razão, em fazer concurso público.
Luciana Amaral – A população geralmente avalia os políticos de forma negativa. Como manter a integridade no meio de representantes políticos com muitos interesses pessoais nos bastidores?
Meiranny Reis – Nossa luta é contra um sistema marcado por muita corrupção. Nadamos contra a corrente, fazendo a sã política. Infelizmente, as pessoas se acostumaram a ver a corrupção como algo “normal”, mas, na realidade, ela consiste em se beneficiar de algo que está tirando o direito do outro. E lutar contra isso não é fácil. Eles tentam tirar a gente do jogo. Para eles, não é importante que pessoas iguais a mim, ao Neném e ao Wagner permaneçamos na política. E por quê? Impera a política do esquema. Se você não está nele, eles irão tentar de tudo para que você seja uma carta fora do baralho.
Luciana Amaral – Por estar contra o “sistema”, alguns projetos seus são mais difíceis de serem aprovados?
Meiranny Reis – Sim, a todo momento! Vou lhe dar um exemplo. Apresentei um projeto para instalação da Internet 5G no município, até por ser uma exigência da Anatel. É uma iniciativa que poderia, inclusive, atrair indústrias para cá. Muita gente disse que haveria falta de apoio à proposta e iriam vetá-lo. Então fiz um anteprojeto. Está no site da Câmara, mas nunca colocarão em prática, por ser uma iniciativa da vereadora Meiranny. Mesmo que todos saiam perdendo, eles preferem não acolher o projeto pelo fato de eu ser de oposição.
Luciana Amaral – Sua experiência como policial civil ajudou a forjar sua personalidade e torná-la mais resiliente?
Meiranny Reis – Com certeza. Muitas pessoas me questionam onde eu arrumo tanta força e eu digo: “Primeiramente, eu tenho uma boa parceria com o vereador Neném da Civil”. Nós somos parceiros mesmo! Coisa que você não vê na política. Acredito também que o que Deus tem para nós, se fizermos a nossa parte, as coisas vêm a nosso favor. Não sou uma pessoa experiente na política, estou chegando agora, mas tenho um diferencial. Fui catequista durante 16 anos, criei retiros de Carnaval na cidade, trazíamos pessoas da rua para evangelizá-las. E há a experiência como policial, que me ajudou muito a reforçar essa crença de que o que tem que ser meu, virá. Se eu tento fazer o bem, o bem virá como consequência.
Luciana Amaral – Você já conhecia o Neném antes de entrar na Câmara Municipal?
Meiranny Reis – Eu conheço o Neném há uns 30 anos, mas não éramos tão próximos. Já coordenei encontros e retiros que ele participou e temos um grupo de amigos em comum, chamado “Geração New Dance”, dos anos 80. Tínhamos, então, uma amizade que acabou se estreitando na política. O Neném é super parceiro, de partir para a briga, se necessário, para defender outras pessoas. E estamos agora nessa luta contra cidadãos que querem enganar uma cidade inteira.
Luciana Amaral – Ano que vem, teremos eleições. Pretende se candidatar ou apoiar alguém?
Meiranny Reis – Estou totalmente encorajada a vir como pré-candidata a prefeita. Tenho certeza de que hoje, se eu colocar meu nome como prefeita e o Neném como vice, ou ele como prefeito e eu como vice, não tenho dúvida de que ganharíamos as próximas eleições. Só falta um pouquinho de coragem da parte dele para vir e falar: “Vamos nessa”. Eu coloco meu nome à disposição, mas dependo do feedback das pessoas. Porque o poder emana do povo, não de mim. Se não der, serei vereadora novamente.
Luciana Amaral – Numa suposta eleição, caso ganhasse como prefeita, o que você faria?
Meiranny Reis – Quando você muda para uma casa nova, a primeira coisa é fazer uma limpeza e colocar tudo no lugar. Então, faria uma auditoria na prefeitura, convocando o Ministério Público e pessoas técnicas, para detectar tudo o que está errado. E a partir desses erros, estabeleceria prioridades. Atualmente, mesmo não estando na prefeitura, percebo que a prioridade do município se encontra em dois setores: saúde e transporte.
Não temos um centro cirúrgico e nem UTI. Se a pessoa passar mal e precisar de UTI, provavelmente vai morrer no hospital, porque a ambulância que deveria levar o paciente a um local equipado está em Águas Lindas para conserto há mais de um mês! Não há sequer equipamento de raios-x, pois está quebrado há mais de 40 dias.
Já em relação ao deslocamento em Santo Antônio do Descoberto, não há uma linha de transporte público coletivo que atenda dentro do município. As pessoas são obrigadas a se deslocar a pé até a rodoviária para pegar a condução até o Distrito Federal, ou então dependem de carona ou dos “piratinhas”, que são os transportes irregulares. Além disso, para ir ao DF, a tarifa é muito alta, sem subsídios do governo. Então, o usuário paga o valor integral e nunca vi esforço do prefeito em mudar essa situação.