Um estrategista no comando da saúde de Goiás e do Entorno
02 fevereiro 2024 às 12h12
COMPARTILHAR
Diante de uma guerra, é preciso ter organização e eficiência, somar esforços e, principalmente, ter uma boa estratégia. Em resumo, este é o pensamento do médico Rasível dos Reis Santos Júnior, que assumiu a titularidade da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) na última sexta (26/01), em substituição a Sérgio Vencio, que ficou como secretário adjunto da pasta.
Rasível chega num momento de explosão dos casos de dengue, que atingiu de maneira bastante crítica a região do Entorno. Mas em meio a um desafio de tamanha envergadura, o secretário encara a “guerra” com olhar cirúrgico e sabe exatamente quais estratégias implementar para evitar o agravamento de pacientes e garantir leitos a quem precisar.
Afinal, experiência não falta ao gestor, que foi coordenador de Urgência e Emergência na Secretaria de Saúde de Minas Gerais, entre 2010 a 2013. Também foi secretário de Saúde da Prefeitura de Betim (MG) de 2014 a 2016 e coordenou o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, durante sete anos.
Nesta entrevista ao Jornal Opção Entorno, Rasível mostra detalhadamente como funcionam os gabinetes de crise, fundamentais neste momento em que o governo estadual se empenha para combater as arboviroses, e fala sobre o andamento de obras prioritárias para a secretaria, como a construção do Hospital Estadual de Águas Lindas e a ampliação do Hospital Estadual de Formosa.
Luciana Amaral – O senhor assumiu a Secretaria de Saúde em um momento delicado, em que há um grande surto de casos de dengue. Quais ações estão sendo tomadas para debelar esse problema e por que começar por Águas Lindas?
Rasível dos Reis – O governador Ronaldo Caiado, até por ser médico, demonstrou uma preocupação muito grande com as previsões de aumento de casos no estado de Goiás. Começamos a levantar os dados e ele tomou a decisão de criarmos os gabinetes de crise, para termos capilaridade nos municípios. Nós desenhamos toda a estratégia e o governador coordenou uma reunião com os 246 municípios na sexta-feira da semana passada, assim que assumi a Secretaria. Apresentamos o plano para todos os prefeitos e secretários municipais de saúde e decidimos pela implantação dos gabinetes de crise naqueles municípios que já estavam com sinais de alerta e de emergência. A cidade de Águas Lindas estava chamando atenção pelo número de casos já no ano passado e também pelos óbitos tanto confirmados quanto suspeitos. Por esta razão, iniciamos as medidas exatamente no local onde havia uma incidência maior. O prefeito de Águas Lindas também é médico e estava muito preocupado. Então, estive na cidade para levar a estratégia e para ter um case de montagem do gabinete de crise, a fim de apresentar uma experiência prática para os prefeitos e mostrar que é possível fazer uma gestão adequada de uma crise utilizando ferramentas de fácil implantação.
Luciana Amaral – A ideia era iniciar por Águas Lindas e depois espalhar os gabinetes de crise para outros municípios do estado. Como está o andamento dessa estratégia e como funciona o gabinete de crise?
Rasível dos Reis – Fizemos a capacitação inicialmente junto a 91 municípios. No gabinete de crise há um comando unificado e recomendamos a presença não só da área da saúde, como Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Secretaria de Meio Ambiente, Educação, Infraestrutura, entre outros. Todos precisam estar envolvidos. Logo abaixo do comando unificado estão as áreas de comunicação, de apoio, de operações, de logística, de administração e finanças, e de planejamento. Como funciona? A gente coloca os nomes que vão atuar em cada uma dessas áreas; a de operações, por exemplo, pode ter vários times abaixo dela, de agentes comunitários de combate a endemias, agentes comunitários de saúde e médicos que atuarão na assistência, seja na atenção primária, nas Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) ou nos hospitais. Até sete líderes de equipe podem estar sob o comando da área de operações, que tem apoio da logística. A área administrativa e financeira vai fazer as contas do que se precisa para bancar essa operação. Já o setor de planejamento decide o que precisa ser feito baseado nos dados e encaminha para o comando unificado, que toma a decisão e organiza tudo para que a operação aconteça.
O gabinete de crise precisa se reunir duas vezes por dia. Se ele estiver, por exemplo, dentro de um hospital, vai verificar quantas pessoas foram atendidas, quantas tinham suspeita de dengue, quantas precisaram internar, quantas foram para a terapia intensiva, quantas chegaram com outras queixas e patologias, como está a taxa de ocupação do hospital, se a equipe da unidade está completa ou não. Também será preciso olhar o estoque de insumos, número de altas, óbitos e transferências. Portanto, o hospital que monta um gabinete de crise tem uma visão integral do que está ocorrendo. Assim a gente fez em Águas Lindas: vimos a situação do Hospital Municipal Bom Jesus e redistribuímos pacientes em outras unidades, aumentando a capacidade do hospital no atendimento da dengue.
Em uma unidade hospitalar podemos fazer um esforço conjunto, hidratando pacientes com suspeita de dengue precocemente, antes mesmo de serem atendidos pelo médico, para não haver agravamento no quadro. Porque, se deixar agravar, os resultados serão piores e iremos gastar mais no tratamento. Outro aspecto é verificar como estão as altas do hospital: conseguimos dar essa alta pela manhã ou estamos esperando para liberar o paciente à tarde? Se ele já puder sair de manhã, ótimo, porque deixamos o leito vago para receber outro paciente que está no pronto-socorro. Já em relação aos exames laboratoriais, o ideal é o paciente aguardar numa sala, ficar num lugar só e o pessoal que vai coletar o exame ir até ele. Muitas vezes o paciente está com dor e sai procurando as coisas no hospital, quando poderia ficar num único local, enquanto a técnica de enfermagem, a quem atribuímos o papel de “fluxista”, poderia chamar o médico assim que os exames ficassem prontos, para decidir se o paciente vai ter alta ou internar. É assim que buscamos a organização no atendimento e na eficiência hospitalar.
Luciana Amaral – Esta semana, o Ministério da Saúde convocou representantes do Distrito Federal e de cidades do Entorno para uma reunião emergencial, a fim de discutir estratégias no combate à dengue. Qual a sua avaliação sobre esse encontro?
Rasível dos Reis – Foi um momento extremamente importante para dialogarmos, a fim de que o DF, o Entorno e o Estado de Goiás, com apoio do Ministério da Saúde, tenham ações coordenadas. Estamos fazendo os gabinetes de crise, o Ministério da Saúde tem a Sala de Situação, com informações sobre as arboviroses, e o DF está montando o Centro de Operações de Emergência (COE). Na reunião discutimos quais os fluxos e processos necessários para fazer o cuidado integrado, porque nesse momento a gente tem que somar forças. Não podemos desperdiçar recursos; precisamos dar suporte aos municípios, e tanto o DF quanto o Estado de Goiás devem apoiar a região do Entorno.
Luciana Amaral – Ficou definido como esse processo integrado será operado daqui para a frente, no que se refere ao DF e Entorno?
Rasível dos Reis – Na Secretaria temos um gabinete de crise central, onde vamos começar a receber informações de todos os municípios goianos, compilar os dados de Goiás e compartilhar informações com o COE no DF, que traz uma estrutura similar ao nosso Gabinete de Crise. Teremos dados da atenção primária, das UPAs e hospitais, e poderemos verificar, por exemplo, quantos pacientes da região do Entorno é necessário internar, de que forma o DF pode nos apoiar, quantos pacientes necessitaremos alocar nos nossos hospitais e qual estrutura ofertar para atender a demanda. A ideia é trabalhar essa questão como um todo, independentemente de onde vêm os pacientes, dando a resposta que as pessoas precisam. Estão sendo também realizadas visitas técnicas com equipes do Ministério da Saúde, Goiás e DF, para avaliar as necessidades de cada município do Entorno e região administrativa do Distrito Federal, a fim de estabelecer ou ajustar planos de contingência e enfrentamento da crise.
Luciana Amaral – Em Goiás, os municípios do Entorno são os que estão em situação mais crítica?
Rasível dos Reis – A incidência certamente está muito alta no Entorno e no DF, que inclusive decretou estado de emergência. No estado, temos uma incidência geral de 62 casos por 100 mil habitantes; já em Padre Bernardo, por exemplo, esse número chegou a 408 casos e Águas Lindas atingiu 314 por 100 mil habitantes na segunda semana epidemiológica, tendo tido também sete óbitos suspeitos este ano. Novo Gama e Cristalina, por sua vez, tiveram um óbito suspeito, enquanto em todo o estado existem 28 óbitos em investigação. Está havendo sustentação de casos acima do limite superior, que é calculado somando-se a média móvel e os desvios de padrão para cima. Quando temos quatro semanas seguidas nessa condição, já não é surto, mas epidemia. E há muitos municípios que já chegaram a três semanas consecutivas acima do limite superior.
Luciana Amaral – Como os hospitais estão sendo estruturados para receber um aporte maior de pessoas infectadas?
Rasível dos Reis – Quando montamos os gabinetes de crise, esperamos que os hospitais consigam ampliar rapidamente sua capacidade em até 10%. Inicialmente, temos um fator favorável na dengue, quando comparada à Covid-19. É uma doença não contagiosa, então não preciso separar os pacientes, a não ser para organizar o fluxo. Esta é uma vantagem muito grande e o número de internações também é menor: 1,8% a 2% dos pacientes precisam internar, desde que haja manejo adequado na atenção primária, e somente 0,2% precisam de terapia intensiva, enquanto na Covid esse percentual chegava a 18,5%, sendo que 5% iam parar na UTI. Portanto, a chance de colapso no sistema de saúde é muito menor que na Covid. Mas isso não significa que a gente não precise se estruturar, porque se todo mundo tiver dengue ao mesmo tempo, poderemos ter uma sobrecarga no sistema. O que se espera é que em até oito semanas de epidemia comecem a cair os casos. Nesta situação, posso utilizar a estrutura hospitalar dessa região para auxiliar outras e os gabinetes de crise vão mostrar esse “mapa de calor” no estado, para ver quais locais estão com maior elevação ou queda nos casos.
Luciana Amaral – Goiás está entre os estados escolhidos a receber as primeiras vacinas contra a dengue. Quando deve começar a vacinação no estado?
Rasível dos Reis – A bula da vacina precisa ser traduzida e esperamos que isto logo se resolva e seja iniciada a distribuição dos imunizantes. Não sabemos ainda a quantidade de vacinas a serem enviadas, mas é certo que 134 cidades do estado irão recebê-las, entre os 521 municípios selecionados no país. Essa escolha levou em consideração as 14 cidades em Goiás com mais de 100 mil habitantes e as que estão próximas a elas. Todo o Entorno deve ser contemplado, pois temos vários municípios dentro desse critério, como Águas Lindas (225 mil habitantes), Luziânia (209 mil), Valparaíso (198 mil), Formosa (115 mil) e Novo Gama (103 mil). No momento, estamos capacitando os profissionais que irão receber e aplicar essas vacinas.
Luciana Amaral – Sérgio Vencio saiu da titularidade da pasta, mas continua na equipe da Secretaria como secretário adjunto. Contar com a experiência dele tem sido fundamental nesse primeiro momento, principalmente com a situação endêmica no estado?
Rasível dos Reis – Com certeza, tem sido fundamental. Sérgio é uma pessoa com grande experiência acumulada, tem uma vivência muito grande e é um gestor fantástico. Então, contar com ele na equipe é uma alegria imensa para mim. Isso me traz tranquilidade, pois posso conduzir a crise sabendo que posso contar com ele em outras questões.
Luciana Amaral – O governador Caiado quer avançar nas ações de regionalização da saúde. E uma das prioridades nesse sentido é terminar o Hospital Estadual de Águas Lindas. Como está o andamento da obra?
Rasível dos Reis – Mais de 90% da obra já foi concluída. O hospital terá 15.914 metros quadrados de área construída, sendo um equipamento de saúde fantástico, dedicado à rede materno-infantil, e capaz de atender uma região com grande carência para esse tipo de cuidado. Serão beneficiados 1,2 milhão de moradores de 31 municípios. Eu estive no hospital em uma das visitas que fiz a Águas Lindas. É uma obra ampla, bonita, com ótima estrutura, qualidade e segurança, como é o padrão do governador Ronaldo Caiado.
Luciana Amaral – Outra ação em prol do Entorno é a ampliação do Hospital Estadual de Formosa. Qual a previsão de término da obra?
Rasível dos Reis – Essa ampliação é praticamente um novo hospital; a unidade ficará com 17.908 metros quadrados de área construída. Não estive em Formosa ainda, mas a obra está adiantada e a previsão é entregá-la em outubro deste ano. Serão 40 leitos a mais de terapia intensiva, sendo 20 de UTI adulto e 20 de neo-natal. Já a clínica adulto vai ganhar mais 21 leitos, dobrando sua capacidade. Na obstetrícia, passaremos de 12 para 26 leitos; e na clínica cirúrgica, de 24 para 60. E ainda haverá a oferta de 20 leitos na área de ortopedia, 27 na cardiologia e 25 na pediatria. A ideia é que atenda a toda região nordeste de Goiás.
Luciana Amaral – Uma das obras mais importantes do governo estadual na área de saúde é o Complexo Oncológico de Referência do Estado de Goiás (Cora). Quais impactos essa unidade vai trazer no atendimento a pacientes oncológicos da Ride, que abarca 33 municípios?
Rasível dos Reis – É uma alegria muito grande ter um equipamento de saúde desse porte no nosso estado. Vemos, por exemplo, o caso do Hospital de Amor, por exemplo, em Barretos, que se tornou uma referência no tratamento do câncer. E o Cora vai pelo mesmo caminho, sendo motivo de grande regozijo, porque vai ajudar a cuidar das pessoas num momento de grande fragilidade, que é o câncer, especialmente o câncer infantil. O complexo hospitalar vai trazer muita qualidade, segurança e eficiência, atendendo a Ride e todo o Estado de Goiás. A previsão é inaugurar a primeira fase do hospital, que é o complexo oncológico pediátrico, até o fim do ano. Futuramente, o Cora deverá também ter outra estrutura para atendimento de adultos.