Fazer denúncias contra um sistema viciado em esquemas ilegais, propinas e lavagem de dinheiro, é quase como enxugar gelo. É uma teia intrincada de corrupção que contamina municípios, Estados e o País. A vereadora Cláudia Aguiar (PSDB) que o diga. Ela está em seu primeiro mandato como parlamentar na cidade e conta que já recebeu diversas denúncias graves, envolvendo, principalmente, empresas-fantasma e a própria Câmara Municipal de Valparaíso de Goiás, também denominada costumeiramente como “Casa de Leis”.

Mas não é de seu feitio “deixar para lá”. A parlamentar vem colhendo provas e, quando as informações são pertinentes, faz questão de soltar o verbo na tribuna. E cobra posicionamento da presidência da Câmara, do prefeito e do Ministério Público. “Nós merecemos respostas”, declara.

Nesta entrevista ao Jornal Opção Entorno, Cláudia descreve alguns dos principais casos polêmicos que investigou e conta um pouco de sua trajetória antes de entrar na política.

Jornal Opção Entorno – Este é o seu primeiro mandato como parlamentar. Por que resolveu se tornar política?

Cláudia Aguiar – O que me motivou a entrar na política foi a minha insatisfação enquanto cidadã. Eu trabalhei mais de 20 anos como comerciante em Valparaíso, sou filha de Valparaíso e via também essa insatisfação na população e nos clientes que passavam pelas minhas lojas. Com isso, resolvi colocar meu nome na disputa e fui eleita em 2021. Não entrei para fazer política como os outros, mas para reivindicar os direitos de toda a população do município, independentemente de partido. Acredito que, depois que um parlamentar é eleito, ele deve representar os interesses da população e não os seus interesses pessoais.

Jornal Opção Entorno – É sua intenção disputar as eleições no próximo ano?

Cláudia Aguiar – Eu não tenho nada em mente. A minha preocupação, neste momento, é fazer um bom trabalho como parlamentar, pois não é fácil fazer com que a lei seja respeitada pelos parlamentares eleitos. Bater de frente com um sistema que só pensa no umbigo é bem complicado. Talvez seja por isso que meus colegas me considerem como uma vereadora de “oposição”. Mas não sou oposição a nada. Estou lá para apoiar o que for bom para a população e para cobrar e pontuar o que está errado. Se achar que a população está sendo lesada, eu irei me posicionar, independentemente de quem seja o prefeito, de quem seja o deputado ou da sigla partidária. Eu não estou lá para fazer amigos e muito menos para bater palmas para coisas erradas.

Jornal Opção Entorno – Na semana passada, na tribuna, você fez denúncias a respeito de contratos de empresas-fantasma com a Câmara Municipal de Valparaíso. Poderia contar mais detalhes?

Cláudia Aguiar – Há cerca de dois meses eu venho apontando algumas irregularidades na Câmara Municipal. Recebemos denúncias de populares e até mesmo de empresários que estavam sendo coagidos a pagar propinas para poder prestar serviços à Casa de Leis. Então, eu comecei a fiscalizar os contratos da Câmara. O primeiro deles é referente ao Comércio Hans, o qual confirmamos ser uma empresa-fantasma, criada por servidores da Câmara apenas com o intuito de lavar dinheiro e lesar o patrimônio público.

Na época, fomos ao endereço que consta no cadastro da empresa e confirmamos que era uma residência. A mãe do Hans residia no local, onde relatou que o filho nunca havia sido empresário e nunca houve uma empresa em funcionamento na casa. O irmão do Hans disse que ele não tinha sequer condições de ser empresário, pois “não queria nada com a vida”. E que, se toda essa história fosse realmente verdade, ele deveria ser preso.

Jornal Opção Entorno – Qual seria o negócio dessa “empresa”?

Cláudia Aguiar – Sua função seria fornecer materiais de limpeza, copos descartáveis etc. Mas foi criada para lavar dinheiro. Quando pegamos o CNPJ da empresa, descobrimos o e-mail e o telefone. Ao ligarmos, quem atendeu, para o nosso espanto, foi um servidor da Câmara, chamado Inaldo Correa. A Casa abriu uma sindicância composta por servidores concursados, os quais averiguaram todas as informações e, assim, constatamos a fraude no nosso sistema. A empresa era fantasma, com envolvimento não só do sr. Inaldo, mas de outros servidores da Casa de Leis. Diante disso, começamos a investigar mais empresas e, na semana passada, recebemos outra denúncia de uma empresa com as mesmas características do Comércio Hans, e com endereço em um condomínio. No local, conversamos com vizinhos, porteiros e todos afirmaram que lá não existem e não podem existir empresas. E ela recebeu R$ 56 mil da Câmara Municipal. Mais uma confirmação de fraude no sistema. E ainda há mais 17 empresas que estamos investigando.

Jornal Opção Entorno – Além do problema com empresas-fantasma, houve outros tipos de irregularidades em relação à contratação de empresas que prestam serviços para a Câmara?

Cláudia Aguiar – Existem empresas que não estão cumprindo as exigências contratuais. Uma delas fornece o serviço de Libras e o contrato deixa claro que deve ser disponibilizada uma dupla de intérpretes para transmissão das sessões. Descobrimos que a dona da empresa era uma dessas intérpretes e a outra era uma assessora parlamentar da Câmara, a qual deveria prestar serviços para a nossa Casa, e não para uma empresa terceirizada. Portanto, houve descumprimento do contrato. Tentei conversar com o presidente da Câmara e com a secretária-geral da Casa, mas não obtive resposta. A secretária disse apenas que estava “averiguando a situação”. Resumindo: todo mundo sabe do esquema, sabe que tem coisas erradas na Câmara, mas ninguém quer entregar ninguém.

Jornal Opção Entorno – Em meio a tantas denúncias, alguém foi punido?

Cláudia Aguiar – No caso do Comércio Hans, ficou constatado, na conclusão da sindicância, que se tratava de uma empresa-fantasma criada por servidores da Casa. Com isso, houve o distrato da empresa, que ainda estava atuando dentro da Câmara, e foram exonerados três servidores: o diretor de Contas e Finanças da Casa, Emmanuel Abreu; a chefe de tesouraria Ana Luíza Correia; e o senhor Inaldo Correa, assessor parlamentar. Agora, cabe à Justiça e ao Ministério Público fazer com que essas pessoas devolvam o dinheiro aos cofres públicos.

Jornal Opção Entorno – Essa medida foi suficiente?

Cláudia Aguiar – Não resolveu o problema. Essas pessoas estavam fazendo esses esquemas dentro da Câmara porque alguém que administra a Casa estava dando permissão. Então, apresentei um requerimento, como manda o nosso regimento interno, para abertura de uma sindicância, a fim de averiguar quem é o parlamentar envolvido no esquema de corrupção. Infelizmente, os meus colegas rejeitaram o projeto e não foram favoráveis à investigação, apoiando a corrupção operada dentro da Casa.

Jornal Opção Entorno – Que sugestões daria para que a impunidade não persista?

Cláudia Aguiar – O Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) deveria fazer uma investigação nas contas da Câmara de 2021, 2022 e 2023. Pedi para o setor financeiro cópias de todas as notas fiscais que entraram na Câmara e, até o momento, não me entregaram. Mas tenho certeza de que, quando isso ocorrer, a gente vai descobrir mais fraudes. O que mais me espanta em toda essa história são os meus colegas de trabalho. São 13 parlamentares no total. E eles nem levantam a bandeira de fiscalizar e acabar com a corrupção dentro da Casa. Isso é muito feio para todos nós.

Jornal Opção Entorno – Como os seus colegas reagem, diante de sua posição?

Cláudia Aguiar – Meus colegas ficam me zoando, me chamando de otária, dizem que sou burra, que com essa atitude não tenho nada a ganhar. Daí, respondo que não estou na Câmara para ganhar nada. Já recebo o meu salário para trabalhar e tenho obrigação de trabalhar. Denuncio pessoas que estão lesando o patrimônio público de Valparaíso de Goiás, que também é patrimônio dos cidadãos.