No segundo semestre de 2023, a Confederação Nacional do Transporte (CNT), com apoio da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), divulgou uma pesquisa que apresentou o perfil das empresas do transporte rodoviário urbano de passageiros no país. De acordo com os dados, 36,2% das empresas têm a tarifa paga pelo usuário como principal remuneração, e 51,1% carecem de qualquer subsídio público. Apesar de serem informações recentes, o setor vive em dificuldades há muito mais tempo. E os usuários do sistema sentem os reflexos disso, seja pelas altas tarifas ou pelos próprios ônibus, que muitas vezes não estão nas condições mais adequadas. No Entorno, não é novidade que a mobilidade urbana é uma das questões mais desafiadoras para os gestores e para as operadoras do serviço.

Segundo o diretor executivo da NTU, Francisco Christovam, as empresas de transporte público urbano no país ainda sofrem com os reflexos da pandemia da Covid-19, quando o setor enfrentou, de acordo com ele, a maior crise da história. “Em várias cidades, houve uma queda de 80% da demanda de passageiros e um prejuízo financeiro da ordem de R$ 40 bilhões, aproximadamente”, afirma.

Francisco Christovam defende um novo marco legal para o setor de transporte público coletivo (Foto: Thay Solto/ NTU)

Sobre o transporte de passageiros no Entorno do Distrito Federal, o diretor ressalta que o maior desafio é o da governança institucional. “Muitas vezes, os habitantes do Entorno fazem das cidades apenas o seu dormitório, já que, durante a semana, se deslocam até o DF para trabalharem. Ou seja, um transporte desse tipo demanda estreita cooperação e articulação entre a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e os entes federativos envolvidos, no caso, o estado de Goiás e o DF”, analisa.

Francisco defende mudanças para tornar o sistema viável, propondo um novo marco legal para o setor. “Isso dará mais segurança jurídica e transparência aos contratos entre empresas e poder público, além de avançar na articulação junto aos atores envolvidos de novos modelos de financiamento da mobilidade urbana, principalmente no que diz respeito à renovação da frota e investimentos em infraestrutura”, explica.

É preciso subsidiar o sistema

No ano passado, a empresa LiderTrans assumiu o sistema de transporte do município de Novo Gama. Hoje, são 17 ônibus e micro-ônibus circulando pela cidade. De acordo com o administrador da empresa, Marcos Alves, cerca de 30% dos passageiros transportados não pagam tarifa e os benefícios tarifários têm impacto direto no custo do transporte coletivo. Esse percentual elevado acaba incidindo sobre o preço das passagens, além de impactar nos investimentos em infraestrutura e melhorias no serviço.

Para Marcos, um dos maiores desafios da prefeitura do Novo Gama, assim como dos demais municípios da região do Entorno, é, de fato, a mobilidade urbana. “Boa parte dos municípios sequer prevê subsídios para custear esses benefícios, como é o caso de Novo Gama. Mas para melhorar a situação do transporte público, a tendência é que as cidades da região passem a bancar pelo menos parte dos custos, subsidiando o sistema, como já ocorre em Brasília”, explana Alves.

Frota da empresa LiderTrans, em Novo Gama: cerca de 30% dos usuários têm direito à gratuidade (Foto: Divulgação)

O impacto da gratuidade

O presidente da Cooperativa de Transporte dos Trabalhadores Autônomos do Transporte Alternativo da Região Integrada de Desenvolvimento do Entorno do Distrito Federal (Cootranride), Oziel Pereira, responsável pelo transporte municipal de Valparaíso de Goiás, avalia que as empresas vêm sofrendo com a redução do número de passageiros, principalmente devido ao aumento de carros por aplicativos, mototáxi e transporte escolar. “Há alguns anos, nós tínhamos 30 ônibus em circulação e hoje são apenas oito para atender a demanda que, na maioria das vezes, são gratuidade”.

Diante do problema, Oziel acredita que o repasse do poder público para as empresas contribuiria para a manutenção de uma tarifa menor e melhorias na qualidade do serviço. “O subsídio ajuda a custear e comprar veículos novos para melhorar o transporte para a população. Só com a arrecadação das passagens, a gente mal consegue manter a manutenção da frota de ônibus. Hoje, paramos em Valparaíso porque somos uma cooperativa, os próprios donos que rodam e o custo é menor. Sabemos que as prefeituras não têm condições de arcar com essas despesas, por isso precisamos de apoio do governo estadual e federal”, completa.

Oziel Pereira: “Tínhamos 30 ônibus em circulação e hoje são apenas oito”

Tarifa Zero

Desde novembro do ano passado, a prefeitura de Luziânia implementou o programa Tarifa Zero, que garante aos moradores da cidade gratuidade para circulação nos veículos coletivos. Ou seja: a prefeitura subsidia integralmente as linhas que atendem internamente o município.

Entre os benefícios da iniciativa, o prefeito Diego Sorgatto (UB) enfatiza a movimentação da economia local. “O dinheiro que seria gasto com a passagem é utilizado no comércio local. É um jogo de ganha-ganha, a população pode se deslocar gratuitamente e mais dinheiro movimenta a economia do município”, diz.

Transporte municipal em Luziânia: subsídio integral da prefeitura (Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil)

Entretanto, o programa precisa ser adotado de forma responsável, dentro da capacidade de pagamento do município ou do estado, pois a gratuidade eleva o número de passageiros no transporte público. “A prefeitura subsidia para as empresas de transporte um valor determinado todos os meses com base no número de usuários informados pela bilhetagem eletrônica”, reforça Diego Sorgatto.