PPCUB: Brasília e seus vitais espaços mitigadores das mudanças climáticas
04 julho 2024 às 13h04
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Por Aldenir Paraguassú*
Esse arranjo legal e de compromissos local, nacional e internacional, além da indispensável participação social, tem como fundamento principal a preservação dos valores históricos, arquitetônicos, paisagísticos e urbanísticos da cidade, assegurando sua identidade única.
Como veremos a seguir, o tombamento do Conjunto Urbanístico de Brasília e seu consequente registro internacional ou supranacional como Patrimônio da Humanidade, cada vez mais passa a fazer sentido, não só ou apenas pelo reconhecimento do valor expressivo e inovador da arquitetura brasileira, como também pela inovadora e visionária proposta de Lúcio Costa, baseada nos eixos cardeais do urbanismo moderno e suas respectivas escalas: Monumental, Residencial, Gregária e Bucólica.
Os eixos e as escalas, voltados para a organização espacial e a qualidade de vida, cada um com suas características e funções que contribuem para a harmonia e a funcionalidade da cidade, relevantes e indispensáveis pilares do Plano Piloto de Brasília, foram, são e continuarão sendo a criação e os elementos mais compatíveis com o futuro impactante e inexorável do cotidiano das sociedades local, nacional e global: as mudanças climáticas.
Não é trabalhoso identificar a importância e as compatibilidades dessas escalas, com as recomendações mais lúcidas e quase óbvias para mitigar diversos impactos decorrentes desse fenômeno climático.
A escala Monumental ou simbólica e coletiva, concentrada nos monumentos e edifícios públicos, reúne os principais pontos de interesse da cidade, como a Esplanada dos Ministérios, a Praça dos Três Poderes e o Congresso Nacional. Sua relevância reside na promoção da cultura, da identidade local e nacional, e da participação social.
A escala Gregária ou de convívio é ponto de convergência dos setores comercial, bancário, de autarquias, hospitalar e rodoviário. É a autêntica mistura de arquitetura e urbanismo, de estradas e edifícios, de comércio e negócios. A ponte plano-piloto/cidades-satélites.
A escala Residencial ou doméstica, composta pelas superquadras, se destaca pela sua escala humana, priorizando o bem-estar dos habitantes. As áreas verdes e os espaços livres garantem conforto térmico e acústico, além de estimular a interação social e a apropriação do espaço público.
A escala Bucólica ou de lazer é caracterizada pela diversidade de áreas verdes e parques, oferecendo contato com a natureza e o lazer, o descanso e a conexão com o meio ambiente. A grande presença de vegetação é elemento importante e indispensável para a regulação do clima urbano, minimizando o efeito “ilha de calor” e melhorando a qualidade do ar.
Como é facilmente constatável, os sorrateira e indevidamente chamados espaços vazios, não são previsões ou obras do acaso. São espaços importantíssimos para a preservação da identidade urbana de Brasília, que mesmo vistos como subutilizados e presentes em várias áreas da cidade, possuem um valor e exercem papel estratégico e vital para as funções de sustentabilidade e o bem-estar urbano.
Pode-se destacar como funções principais exercidas por essas áreas ou espaços estratégicos, a absorção da água das chuvas, recarregando os aquíferos e prevenindo inundações. Em um contexto de intensificação das chuvas ou na ausência delas devido às mudanças climáticas, esse objetivo se torna ainda mais crucial para o manejo adequado das águas na cidade. No tocante à ventilação, a vegetação presente nesses espaços contribui para a circulação de ar e regulação do microclima, reduzindo o efeito “ilha de calor” e proporcionando conforto térmico à população, especialmente durante os períodos mais quentes do ano, cada vez mais comuns e mais intensos.
Para citar apenas um dos fatores perniciosos desse processo de mudanças e não necessariamente de avanços, é reconhecer que a impermeabilização excessiva dos solos em áreas urbanas, impulsionada por ocupações irregulares, construções inadequadas e práticas de pavimentação desmedidas, gera diversos impactos negativos para a cidade e seus habitantes. A impermeabilização impede a absorção da água das chuvas, sobrecarregando o sistema de drenagem urbana e aumentando o risco de inundações, especialmente em áreas já suscetíveis a esses eventos. As enchentes causam danos materiais e à infraestrutura urbana, além de colocar em risco a vida da população.
Por meio da valorização dos espaços vazios e da implementação de medidas que combatam a impermeabilização do solo, o PPCUB original contribui para a construção de uma Brasília mais sustentável, resiliente e próspera para as atuais e futuras gerações. O que não exclui oportunidades e não oportunismos de aprimoramentos.
A proposta recentemente aprovada na Câmara Legislativa do Distrito Federal, Projeto de Lei 41/2024, deixa Brasília e o Brasil em posição absolutamente desconfortável perante as sociedades local, nacional e global, ao fragilizar e expor a história, a criatividade, a qualidade e a oportunidade de identificar o trabalho feito, como exemplo importante e atual para outras nucleações urbanas, brasileiras ou não, dadas as circunstâncias avassaladoras das mudanças climáticas.
Hoje, destacam-se o Rio Grande do Sul; o Pantanal brasileiro; os eventos climáticos mais extremos e mais frequentes; o aumento gradativo e inexorável das temperaturas no Centro-Oeste e, consequentemente, Brasília, mesmo que ela possua 30% da sua área coberta por vegetação, percentual superior a muitas outras grandes cidades do mundo; ao tempo em que pesquisa recente do Global Cities Index 2024, que avaliou mil cidades no mundo, indica Brasília como a segunda melhor cidade para se viver no Brasil.
Para ficar atento, participar e contribuir para o hoje, com os sentidos nesse futuro que está aí, não se pode copiar um marqueteiro dos tempos sombrios do passado: avançar para a retaguarda.
*Aldenir Paraguassú – Arquiteto urbanista e ambientalista
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