Por Márcio Aguiar*

Cada um com sua identidade, história e comportamento, os discípulos representam arquétipos humanos facilmente reconhecíveis nos corredores do poder da política nacional. João, o sensível; Pedro, o impulsivo e corajoso; Tomé, o cético exigente por provas; e Judas, o calculista, envolto em contradições.

Judas, por sinal, sempre atraiu um lugar especial nos debates — e por razões óbvias. Seu gesto de traição, vendido por trinta moedas, ainda ecoa como símbolo de conveniência política e incoerência ética. Ele estava entre os íntimos, participava dos bastidores, mas agia com interesses ocultos. Lembrando-o, reconhecemos figuras que, nas instituições públicas, beijam alianças com o povo em tempos eleitorais, mas selam seus acordos reais com interesses pessoais ou de grupos restritos, longe da transparência e do compromisso público.

Pedro, por outro lado, é o arquétipo do político apaixonado, que defende com fervor suas causas, mas que, pressionado, pode negar suas convicções. É humano demais. Já Tomé se aproxima daquele estilo de político que só se move diante de dados concretos, de cálculos eleitorais seguros — hesita até o último momento, mas eventualmente se posiciona. E João representa o político movido por valores, que permanece ao lado das causas mesmo diante do risco, mesmo na dor do calvário social.

Ao analisarmos a política brasileira à luz desses perfis, vemos que as traições, negações, hesitações e infidelidades continuam presentes. A diferença é que, nos dias atuais, há redes sociais, assessorias e marqueteiros, mas as motivações internas seguem semelhantes às dos discípulos do primeiro século.

A travessia da Páscoa é um convite à mudança de postura. Para alguns, pode ser o momento de sair do oportunismo e caminhar em direção à coerência. Para outros, uma oportunidade de se reconciliar com suas próprias convicções. E para todos nós, eleitores e cidadãos, é a hora de olhar para os gestos daqueles que nos representam e nos perguntar: a quem eles realmente servem?

A história mostra que Judas se arrependeu tarde demais. A política brasileira, se quiser ressuscitar a confiança popular, precisa evitar as moedas da conveniência e os silêncios que custam caro. É preciso, enfim, escolher a travessia certa.

*Márcio Aguiar Cientista político, consultor em comunicação e marketing político

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