A cada crime grave noticiado, cresce a pergunta: por que criminosos com histórico de violência continuam soltos? A resposta envolve uma combinação de fatores legais, brechas estruturais e o equilíbrio que a Justiça busca entre segurança pública e direitos constitucionais.

O exemplo mais marcante é o de Lázaro Barbosa, que em 2021 ganhou notoriedade nacional após a suspeita de ter cometido uma chacina em Ceilândia (DF). Uma família inteira foi assassinada: o pai, dois filhos e a esposa, encontrada dias depois em um córrego, com sinais de violência sexual. Lázaro já tinha uma extensa ficha criminal, incluindo estupro, roubo e homicídios.

Após o crime, ele fugiu para a zona rural de Cocalzinho de Goiás, no Entorno do DF, e passou semanas escondido em chácaras e fazendas, contando até com apoio de moradores da região que conhecia por serviços prestados. A caçada mobilizou centenas de policiais e mostrou como criminosos perigosos conseguem se esquivar da Justiça por muito tempo.

Outro episódio recente envolveu Argemiro Antônio da Silva, fugitivo do presídio da Papuda, no Distrito Federal. Considerado de alta periculosidade, ele foi morto em confronto com a Polícia Militar de Goiás (PMGO), em Águas Lindas de Goiás, no Entorno do DF. Argemiro havia sido condenado a aproximadamente 125 anos de prisão.

Sua ficha era extensa: em 1999, participou do roubo ao Banco Regional de Brasília, levando R$ 15,5 mil e armas de vigilantes, utilizando escopeta e revólver. Em 2000, esteve no roubo ao Banco do Brasil em Brazlândia, de onde foram levados R$ 47 mil e a fita do circuito de segurança. Já em 2014, explodiu caixas eletrônicos em Itapirapuã (GO), chegando a disparar contra casas e entrar em confronto com policiais. No mesmo ano, sequestrou funcionários de um banco Itaú no Recanto das Emas (DF), levando pertences e documentos. De acordo com o Ministério Público, ele também participou de um furto de R$ 1,3 milhão de uma agência em Crixás (GO).

A ficha dos criminosos bastante extensa, gera revolta da população. Foto: Reprodução

Também preocupa o caso de Alex William de Moura Gondim, condenado por esfaquear o filho da ex-namorada em Sobradinho. O jovem foi atingido nas costas, braço e rosto, enquanto a mãe sofreu cortes nas mãos ao tentar defender o filho. Atualmente, Alex não retornou ao Centro de Progressão Penitenciária (CPP) desde a última saída autorizada para trabalhos externos, em 10 de março.

A ficha dele inclui acusações de estupro, violência doméstica, descumprimento de medidas protetivas, furtos, injúria e ameaça. O histórico de reincidência e a ausência de retorno reforçam as dúvidas sobre a eficácia da progressão de regime.

O que dizem os especialistas

Para o advogado criminalista Oberdan Costa, os casos chamam atenção, mas não significam que o sistema seja totalmente falho. “Existe uma percepção de que a audiência de custódia coloca bandido na rua, mas os números mostram o contrário. Os que são soltos, em geral, não têm uma ficha extensa de condenações. O juiz precisa respeitar o princípio da presunção de inocência”, explica.

Ele lembra que a prisão preventiva deve ser aplicada de forma cautelosa. “Não faz sentido manter alguém preso preventivamente por dez anos, quando a pena final poderia ser de oito. A prisão antes da condenação deve ser uma exceção.”

Entre a lei e a realidade

A Constituição Federal prevê que prisões antes da sentença só ocorram em casos de flagrante ou ordem judicial, como risco de fuga ou ameaça à ordem pública.

O advogado criminalista Pierpaolo Bottini reforça. “Você pode prender antes do julgamento se existe a possibilidade da pessoa fugir ou se há risco à ordem pública, com ameaças de testemunhas, por exemplo.”

Já o professor Armando de Mattos Junior lembra que a prisão preventiva só deve ser determinada em situações de ameaça real à sociedade ou à economia.

As audiências de custódia, em vigor desde 2015, também fazem parte desse processo. Nelas, toda pessoa presa deve ser apresentada ao juiz em até 24 horas, que decide se mantém a prisão, se converte em preventiva ou temporária, ou se o acusado responde em liberdade.

Bottini destaca a diferença entre crimes violentos e patrimoniais sem violência. “Se você tem uma pessoa que comete roubo e é reincidente, você tem elementos para manter essa pessoa presa. Já em casos de furto, quando não há violência, a tendência é que responda em liberdade.”

O desafio da reincidência

Casos como o de Lázaro, Argemiro e Alex mostram que a reincidência é um dos principais desafios da segurança pública no Brasil. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mais da metade dos presos volta a cometer crimes após cumprir pena.

Para Costa, o problema não será resolvido apenas com mais prisões, mas com prisões melhores:

“Quem entra no sistema prisional por um delito menor muitas vezes precisa se filiar a uma facção para sobreviver. Ao sair, já está comprometido com o crime organizado. Precisamos prender melhor, com foco nos criminosos de alta periculosidade”, diz.

Segurança x direitos

Enquanto a população clama por penas mais duras, especialistas lembram que é preciso equilibrar segurança pública com direitos constitucionais. A sensação de impunidade é real, mas as soluções devem mirar a eficácia do sistema, e não apenas o aumento das prisões.

“Não precisamos prender mais, precisamos prender melhor. Só assim vamos reduzir a criminalidade sem reforçar as estruturas do crime organizado”, conclui Oberdan Costa.