Embora mais da metade da população brasileira se declare negra, ou seja, preta ou parda, esse índice populacional majoritário, no entanto, não se reflete na representatividade de lideranças negras na vida política do país. Pesquisa do portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontou que, nas eleições gerais de 2018, apenas 27,8% dos eleitos eram pretos ou pardos, sendo 4,28% pretos.

Já nas eleições municipais de 2020, o percentual subiu para 43,03%. Porém, os candidatos pretos foram apenas 5,63% dos eleitos.

Muitas são as razões apontadas pelos especialistas para tamanha discrepância na representatividade política dos negros. A principal delas é o racismo estrutural, teoria propalada pelo atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, em que o racismo seria algo enraizado em todas as estruturas sociais brasileiras, deixando a população negra à margem da sociedade.

No Entorno, assim como no resto do país, políticos negros são minoria e mostram, em sua atuação, a resiliência necessária para transpor obstáculos e avançar em suas trajetórias, apesar dos percalços.

Do bullying e preconceito à vitória

De origem humilde, morador do Jardim Marília, em Luziânia, o vereador de Luziânia Marcus Silva, conhecido como Professor Marcus (MDB), foi o sétimo mais bem votado nas eleições de 2020 e recebeu recentemente a premiação Profissional do Ano na categoria do Poder Legislativo do município. A trajetória política de destaque teve início difícil, com estudo em escolas públicas e o primeiro emprego como coveiro, no cemitério do Gama (DF).

Da época da escola, ele lembra de brincadeiras carregadas de preconceito, como ser chamado de “pontinho preto no meio da sala”, “neguinho da favela”, “assassino”. “Todo tipo de denominação pejorativa eu recebi durante a infância e a adolescência. Houve um momento em que eu cheguei até a me odiar, por não aceitar a minha cor, não aceitar o meu cabelo, não aceitar a minha origem”, relata. “Passar por tudo isso foi muito doloroso, até o processo de eu me aceitar como negro, de entender o meu papel na sociedade, de entender que muitas pessoas morreram para que eu pudesse exercer o meu direito”, desabafa.

A premiação como Profissional do Ano foi, provavelmente, a melhor resposta aos disseminadores do bullying e da discriminação. “Foi um momento de extrema felicidade, que consolidou o pensamento de que todo esforço tem a sua recompensa e que vale a pena o sacrifício feito durante o mandato para a população. Ninguém faz nada sozinho”, acredita.

Para ele, a sociedade precisa avançar nas políticas de igualdade racial e incentiva a outros a nunca terem vergonha de quem são. “Precisamos encarar a nossa realidade. Ela é dura, mas é nossa”, pontua.

Construção pela educação

Ex-secretário municipal de Educação do município de Santo Antônio do Descoberto, Emerson de Souza Pereira, o Palmieri, acredita que o preconceito se combate com educação. “É necessário um compromisso contínuo para superar obstáculos e alcançar uma verdadeira igualdade racial”, avalia.

Palmieri defende as cotas raciais como um dos meios de combater a discriminação (Foto: Divulgação)

Além de defender com unhas e dentes os direitos dos profissionais do setor e dos alunos, ele comemora os feitos conseguidos em sua gestão, como o selo “Compromisso com a Educação”, concedido pela ONG Todos Pela Educação. E admite que o preconceito precisa ser diariamente combatido, seja por meio da implementação de políticas como as cotas raciais, ou de outras ações antirracistas no ambiente da educação, de forma a promover uma sociedade mais equitativa.

“Em nosso contexto brasileiro, isso é crucial para combater a discriminação e criar oportunidades mais justas. Nesse sentido, as políticas públicas raciais são fundamentais para promover a igualdade e enfrentar as disparidades históricas que afetam a população negra”, argumenta.

Para Palmieri, o cenário político partidário já apresentou avanços nesse sentido, o que reflete uma busca legítima por uma representatividade mais inclusiva, necessária para a formulação de políticas sensíveis às diversas realidades. E pontua que isso deve ser feito também nas esferas municipais. “A presença negra na política é especialmente importante para abordar questões locais e garantir que as políticas atendam às demandas específicas das comunidades afrodescendentes”, assegura.

Preconceito na pele

O deputado estadual Ricardo Quirino (Republicanos), eleito em 2022 para seu primeiro mandato como deputado estadual por Goiás e que tem como base eleitoral o Entorno do Distrito Federal, concorda que a melhor forma de se combater o racismo é com educação e conscientização. “E quando a gente fala de conscientização, não podemos nos limitar à luta de grupos isolados e muito menos fazer essa conscientização em termos de enfrentamento ou afrontando a sociedade como um todo”, argumenta.

Para o parlamentar, atitudes assim acabam por gerar mais resistência. Por isso, ele defende uma abordagem global, que traga mais pessoas ao debate com a sociedade, com a ajuda da mídia e com o processo político. “Essa é a melhor forma para que você possa combater, enfrentar e, quem sabe, conseguir erradicar de vez o racismo”, pondera. 

Ricardo Quirino: “A atitude preconceituosa e racista é a face mais triste do ser humano” (Foto: Divulgação)

Durante a adolescência e até na vida pública, ele por vezes sofreu discriminação pela cor da pele e já foi vítima de injúria racial. “Mesmo exercendo um cargo político por duas vezes, eu já fui, sem nenhuma explicação, impedido de entrar num local junto a um grupo de deputados. Todos os que estavam à minha frente foram autorizados; então questionei o motivo ao rapaz da segurança e ele não soube explicar. Eu então repliquei: ‘É porque você olhou para mim, para minha cor e achou que eu não era deputado, né?’ E foram diversos casos”, conta, acrescentando que sempre usou a educação e a conscientização para mostrar à pessoa o quanto ela estava sendo errada na sua avaliação.

Para o deputado, ainda são tímidos os avanços na ascensão dos negros em cargos políticos e lideranças empresariais. “Existe ainda uma barreira que a gente não conseguiu vencer. Poderíamos estar bem além”, observa. “Em determinadas profissões, é claro, percebemos alguns avanços, como na advocacia. Já na política estamos longe do ideal, haja vista a quantidade de deputados da Assembleia que se declaram pardos ou negros. Assim também é no Judiciário e no Congresso Nacional”, explica.

Quirino, que já foi deputado federal, também percebe essa espécie de “barreira invisível” no ambiente empresarial. “No mundo corporativo o número de pessoas negras é pequeno demais. As grandes empresas, nem se fala!”, salienta.

O parlamentar diz que certa vez foi abordado na saída de um seminário por uma jovem, que o questionou sobre preconceito racial e contou sobre as dificuldades pelas quais passava por ser negra. “Eu respondi: ‘Você vai precisar vencer isso por meio da educação e do empenho, sabendo que, cedo ou tarde, você vai ser vai ser alvo de uma atitude preconceituosa, racista’. E eu não estou aqui fazendo nenhum vitimismo, porque é o que a gente vê no dia a dia, na televisão e nas redes sociais. É preciso levantar a cabeça e não se deixar vencer. A atitude preconceituosa e racista é a face mais triste do ser humano”, finaliza.