De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Infelizmente, as estatísticas de violência contra a mulher são alarmantes. Em 2023, a Central de Atendimento à Mulher, do Governo Federal, recebeu quase 75 mil denúncias de violência pelo 180. O que significa que, em média, quatro mulheres ainda morrem diariamente no país vítimas de feminicídio, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública. No Entorno, estima-se que esse quadro seja ainda mais preocupante. Apesar disso, já existem iniciativas na região com o intuito de dar mais autonomia, qualificação e proteção às vítimas, além de acelerar os processos judiciais em curso, para efetiva punição dos envolvidos em casos de violência doméstica.

Celeridade judicial

Reunião no TJGO sobre a Campanha Protege e Julga (Foto: Divulgação/ OAB-GO)

No âmbito do estado de Goiás e com aplicabilidade nos municípios do Entorno, vale destacar a Campanha Protege e Julga, lançada em setembro de 2023 pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) com o objetivo promover o julgamento de mérito dos processos de violência doméstica e feminicídio em até um ano, conforme disposto no artigo 6º da Portaria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) n° 82/2023.

A presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-GO, Fabíola Ariadne, parabenizou a iniciativa, classificando-a como fundamental para a proteção das mulheres em situação de vulnerabilidade e vítimas de violência doméstica. “Precisamos de medidas e soluções que auxiliem as mulheres agredidas a recuperarem a crença na justiça, e que tragam a sensação de justiça aos familiares que perderam mulheres vítimas de feminicídios”, pontua.

Para ela, é necessário ainda que todo o sistema judicial observe e aplique o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do CNJ.

Fabíola Ariadne: “Precisamos de soluções que auxiliem as mulheres agredidas a recuperarem a crença na justiça”

Rompendo o ciclo de violência

Já no Entorno propriamente dito, especificamente no município de Águas Lindas, está sendo desenvolvido um projeto-piloto para capacitar, dar condições de independência financeira e até uma nova vida para as mulheres que já passaram por algum tipo de violência de gênero. O programa “Mulheres Mil”, financiado pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) do Governo Federal e executado pelo Governo de Goiás, está com inscrições abertas e terá início em 26 de fevereiro.

“Nós temos índices alarmantes de violência contra a mulher e muitas vezes ela é dependente financeiramente do agressor. Esses cursos do Pronatec visam romper esse vínculo de dependência”, esclarece o subsecretário da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti), Robert Bonifácio, ao anunciar o edital piloto do programa.

Robert Bonifácio: “Esses cursos visam romper o vínculo de dependência” (Foto: Divulgação)

O projeto a ser iniciado em Águas Lindas tem o objetivo de fortalecer o “Cinturão da Moda”, programa do Governo de Goiás voltado à confecção de roupas na região, com as duas iniciativas se fortalecendo mutuamente.

Robert Bonifácio destaca que é preciso união para resolução dos problemas de desigualdade no Entorno. “Precisamos trabalhar em conjunto para melhorar a vida das pessoas. Eu tenho muita esperança nesse projeto e espero que ele cresça cada vez mais”, afirma.

O programa atenderá mulheres acima de 16 anos vítimas de violência doméstica, proporcionando uma formação remunerada, com bolsa de R$ 640 por mês ao longo do curso. As inscrições são gratuitas pelo site: www.inovacao.go.gov.br.

Construindo um ambiente novo

A secretária do Entorno do Distrito Federal (SEDF-GO), Caroline Fleury, assinala que uma das características das políticas públicas do governo estadual no Entorno é que elas se integram e se complementam. “O programa ‘Mulheres Mil’ é realmente sensacional, porque estende uma mão amiga no momento de maior vulnerabilidade da mulher que sofre violência doméstica, para ela poder seguir a vida com autonomia financeira e superar a marca da violência”, analisa. “E para ela superar, nós precisamos ajudar a construir um ambiente novo. Com o ‘Mulheres Mil’, além de aprender um ofício e ganhar bolsa para estudar, ela tem grande possibilidade de sair de lá com emprego”, enfatiza.

Nesse sentido, o governo de Goiás comprou dois equipamentos Audaces, máquina de corte a laser feita para trabalhar 24 horas, para dar suporte às cooperativas de costureiras. Além disso, há tratativas em andamento para parcerias com empresários do DF para contratarem essas cooperativas. “A política pública tem um efeito dominó, não se encerra em si, e tem tudo para que as pessoas e, especialmente essas mulheres, tenham condição de alcançar seu potencial e desenvolvimento pleno”, observa.

Autonomia econômica e financeira

A assistente social e doutora em Política Social pela Universidade de Brasília (UnB), Anabelle Carrilho, explica que a violência contra as mulheres é um tema complexo, que envolve não apenas a violência física, mas também aspectos psicológicos, morais e patrimoniais, entre outros. Por isso, programas como o “Mulheres Mil” são de extrema importância, ao intervir em um pilar fundamental para o rompimento do ciclo da violência doméstica: a autonomia econômica e financeira dessas mulheres.

Anabelle Carrilho: mulheres mais vulneráveis vivem principalmente em regiões de acesso precário às políticas públicas

“Prover não apenas a capacitação e inserção no mercado de trabalho, mas também uma renda mínima ao longo do curso, é fundamental para a reconstrução de sonhos e de projetos alternativos de vida, principalmente considerando que as mulheres geralmente se encarregam dos cuidados dos demais membros da família: crianças, idosos, doentes, pessoas com deficiência etc.”, argumenta.

Para ela, iniciar as atividades pelo Entorno é também muito significativo. “Sabe-se que a violência contra as mulheres pode acontecer em qualquer lugar e classe social; entretanto, estão mais vulneráveis aquelas que vivem nas regiões mais pobres e de acesso precário a políticas públicas”, pontua.

A especialista, autora do livro “Mulheres Invisíveis”, destaca ainda que muitos municípios do Entorno, como Águas Lindas, estão numa espécie de “limbo”, não sendo atendidos suficientemente nem pelas redes de Goiás nem do DF. “Esperamos que o programa tenha continuidade e represente uma ponte às demais políticas de prevenção e enfrentamento à violência. Assim como apresente impactos positivos nos alarmantes índices infelizmente apresentados no país, no Goiás e no Distrito Federal”, finaliza.