Há uma diferença entre o narcisismo, que é algo natural e até mesmo saudável no desenvolvimento humano, para o transtorno de personalidade narcisista, caracterizado pela admiração exagerada por si mesmo. Um estudo de psicologia apontou que entre os  diagnosticados com o transtorno, 50 a 75% são do sexo masculino. Especialistas explicam que além do machismo estrutural, algumas características masculinas contribuem para a doença.

Em entrevista ao Jornal Opção, a psicanalista Aurélia Caetano explicou que o narcisismo é uma característica essencial para o desenvolvimento da personalidade humana. Antes de ser tornar algo negativo ou um transtorno, a característica é fundamental para o nosso desenvolvimento. “O narcisismo é fundamental para o desenvolvimento do ego porque primeiro a criança precisa olhar para si, desenvolver um amor próprio, e depois para o outro. Na infância, é uma característica saudável”, explicou.

Já na adolescência, quando a pessoa começa a ter uma melhor compreensão sobre o mundo, aparecem os perigos do excesso de amor próprio. O transtorno tem um padrão de autoadmiração acompanhado pela falta de empatia pelos outros. As pessoas com transtorno tendem a ter uma visão muito inflada e maravilhosa de si, se considerando únicas e superiores às outras. Elas acreditam que tudo que elas fazem são melhores e buscam atenção, reconhecimento e admiração do outro o tempo todo.

“Quando a pessoa com o transtorno não encontra esse reconhecimento, ela se vitimiza, porque ‘como assim a pessoa não percebe o quão maravilhosa eu sou?’. Então ela acaba tendo um comportamento reativo e muitas vezes de agressividade”, explicou Aurélia. Na maioria das vezes, a pessoa narcisista não faz essa autoidentificação, sendo sempre o outro, que é a parte prejudicada, a perceber e orientar a pessoa a buscar ajuda profissional.

Para a psicanalista, isso acontece porque a área mais prejudicada da pessoa que tem o transtorno arquitetilíquico são os relacionamentos interpessoais dela. Normalmente é uma pessoa de difícil convivência no trabalho, que tem relações amorosas e afetivas muito difíceis, ou relações familiares dificultadas pelo transtorno.

Até mesmo quando a pessoa narcisista decide buscar tratamento, ela costuma atribuir os problemas sempre às outras pessoas. “A pessoa com transtorno de personalidade não consegue identificar os próprios problemas”, pontou a psicanalista. Todas as pessoas ao redor dela, em sua visão, são desajustados. Quando o ponto comum entre as pessoas desajustadas é exatamente a pessoa que apresenta problemas em todos os relacionamentos interpessoais.

“Por exemplo, nossa, eu tenho muito problema com o meu chefe, eu tenho muito problema com os meus colegas de trabalho, eu não consigo ficar mais de cinco meses em um namoro, sempre termino e não sei o porquê”, especificou Aurélia. Normalmente essas pessoas tem um sentimento de grandiosidade muito grande, uma crença exagerada na sua importância, no seu talento e nas suas competências.

Há também fatores de sucesso, de poder, uma necessidade constante de admiração e atenção dos outros, uma expectativa muito irreal dos tratamentos e daquilo que ela vai fazer. Às vezes tem uma exploração dos outros para alcançar os próprios objetivos, mas sem nem entender que está explorando. Quando, por exemplo, uma pessoa puxa o tapete do colega de trabalho para se sobressair sobre ele, isso é uma característica da pessoa narcisista. Comportamentos arrogantes e presunçosos também fazem parte do transtorno.

Os pesquisadores da Universidade de Buffalo, em Nova York, determinaram que a maior diferença entre os gêneros se baseia na ideia de merecer tudo. Mais do que as mulheres, os homens têm tendência a reivindicar certos privilégios. Além disso, eles têm mais vontade de exercer autoridade. A pesquisa analisou 355 estudos, dos quais participaram cerca de 470 000 pessoas.

Características do transtorno de personalidade narcisista

  • Tem uma sensação grandiosa da própria importância (exagera conquistas e talentos, espera ser reconhecido como superior sem que tenha as conquistas correspondentes.
  • É preocupado com fantasias de sucesso ilimitado, poder, brilho, beleza ou amor ideal.
  • Acredita ser “especial e único” e que pode ser somente compreendido por, ou associado, a outras pessoas (ou instituições) especiais ou com condições elevadas.
  • Demanda admiração excessiva.
  • Apresenta um sentimento de possuir direitos (expectativas irreais de tratamento especialmente favorável ou que estejam automaticamente de acordo com as próprias expectativas.
  • É explorador em relações interpessoais (tira vantagens dos outros para atingir o próprio fins).
  • Carece de empatia: reluta em reconhecer ou identificar-se com os sentimentos e as necessidades dos outros.
  • É frequentemente invejoso em relação aos outros e acredita que os outros o invejem.
  • Demonstra comportamentos ou atitudes arrogantes e insolentes.

As características foram retiradas do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.

Construção do “eu”

Para o psicólogo Davi Abril, ninguém está isento das feridas narcisistas, pois a primeira ferida parece acontecer muito cedo ainda quando descobrimos que a mãe é um ser separado de nós.

“Com o intuito de diminuir essa dor, o bebê desenvolve recursos para atrair a atenção da mãe, por exemplo, como choro voluntário. Isso lhe dá uma ilusão de controle sobre a mãe. À medida que a criança cresce, vai continuar a sofrer novos danos em seu narcisismo ao descobrir que as coisas não são como ele quer, não são como ele deseja e que o mundo não se vai dobrar diante das suas expectativas. Mas isso é fundamental para desenvolver maior contato com a realidade e também isso contribui ao crescimento emocional que implica. Também decepções consigo mesmo e com os outros”, explicou.

Davi explicou ainda que o tratamento geral para esse tipo de transtorno é a psicoterapia, porém, comumente, podem existir comorbidades que acompanham o narcisismo. Como, por exemplo, um transtorno depressivo ou um transtorno de abuso de substâncias, além de outro transtorno de personalidade. Nesse caso, também o tratamento medicamentoso acompanha a psicoterapia.

Tratamento da pessoa narcisista

O tratamento geral do transtorno de personalidade narcisista é o mesmo que para todos os transtornos de personalidade. Psicoterapia psicodinâmica, que focaliza os conflitos subjacentes, pode ser eficaz.

Algumas abordagens desenvolvidas para o transtorno de personalidade borderline podem ser adaptadas de modo eficaz para uso com pacientes com transtorno de personalidade narcisista, incluindo:

  • Tratamento baseado em mentalização
  • Psicoterapia focada na transferência

Essas abordagens focalizam distúrbios quanto às maneiras como os pacientes experimentam emocionalmente a si mesmos e aos outros.A terapia cognitivo-comportamental pode ser interessante para pacientes com transtorno de personalidade narcisista porque eles podem achar atraente a oportunidade de aumentar sua maestria; sua necessidade de elogios pode permitir que o terapeuta molde seu comportamento. Alguns pacientes com transtorno de personalidade narcisista acham que as abordagens cognitivo-comportamentais dos manuais demasiadamente simplistas ou genéricas para suas necessidades especiais.