A próxima semana será decisiva na discussão sobre o uso de Inteligência Artificial (IA) na campanha eleitoral de 2024. Algumas minutas sobre o tema já foram publicadas e, no momento, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está na fase de debate sobre as instruções que regerão as eleições municipais deste ano. Para os especialistas ouvidos pelo Jornal Opção Entorno, ainda há muito a ser discutido antes de outubro e os municípios do Entorno, com campanhas mais acirradas, serão diretamente impactados com as novas regras.

Para o advogado eleitoral Hyulley Machado, a Inteligência Artificial é bem-vinda, mas não pode haver o desvirtuamento dela para a criação, por exemplo, de fake news ou deepfake, que é a técnica que permite mostrar o rosto de uma pessoa em fotos ou vídeos alterados com ajuda de IA.

Hyulley Machado: “Uma notícia espalhada indevidamente pelo WhatsApp se dissemina muito rápido”

As novas regras valerão para todos os municípios, mas o Entorno, segundo o advogado, precisa de mais atenção. Com experiência e atuação na região, Machado explica que há, infelizmente, características acentuadas, com disputas mais acirradas e candidatos que utilizam do “tudo ou nada” no período eleitoral. “Não dá para generalizar, mas a campanha política, por vezes, é mais agressiva no Entorno”, observa.

Segundo as minutas já apresentadas pelo TSE, que são rigorosas, na avaliação do especialista, todo e qualquer uso de IA deve ser avisado, com penas que vão de multas a detenção de até 3 anos. Na prática, no entanto, vai ser muito difícil esse controle, na visão do especialista. “Os desafios são enormes. São mais de 5 mil municípios e são poucos servidores. Uma notícia espalhada indevidamente pelo WhatsApp se dissemina muito rápido. Até que se acione o TSE e que se apure, o problema pode ser grande”, analisa.

Tema urgente com contornos relevantes

O senador Izalci Lucas (PSDB) integra a Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil e participou ativamente de audiências públicas sobre o tema, além de presidir uma delas na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, com representantes da Comunidade Europeia, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e especialistas que já discutem o tema há mais de 6 anos.

Para ele, a questão da IA é algo novo e que ganha contornos ainda mais relevantes no Brasil, que é um “país analógico”, na definição dele. “A pandemia do coronavírus trouxe um crescimento muito alto na utilização das redes sociais e novas tecnologias, e nem todo mundo está preparado para isso”, salienta o senador.

Izalci Lucas: “Temos que ter esse cuidado de não barrar a utilização de novas tecnologias”. Foto: Divulgação

Por tudo isso, segundo Izalci, não se pode criar uma regulamentação que proíba o avanço. “Ao mesmo tempo, também não podemos deixar que a Inteligência Artificial seja utilizada para o mal. Essa é uma discussão crucial, que vai afetar todo o povo brasileiro”, avalia. O senador observa, ainda, que mesmo em países que já estão regulamentando o tema, surgem sempre aspectos e situações novas a serem analisadas. “Temos que ter esse cuidado de não barrar o desenvolvimento e a utilização de novas tecnologias, mas impedir que elas beneficiem más condutas. Somos um povo muito criativo e não podemos dificultar a inovação realizada pelas nossas empresas, até porque isso vai fazer parte do cotidiano e os países mais desenvolvidos já avançaram muito nessa área. Entretanto, é preciso capacitar os profissionais, principalmente no Entorno”, argumenta.

Regras que estão longe da realidade

Para o especialista em Direito Digital e Direito Eleitoral, professor Alexandre Basílio, o texto como está criaria uma enorme burocracia. “Minha crítica às minutas já apresentadas pelo TSE é que ‘fabricar e manipular’ são verbos do dia a dia da computação e não se confundem com os seus significados no mundo da informação e do jornalismo”, afirma.

Basílio destaca que existem várias tecnologias já usadas há décadas para realizar os verbos mencionados e que nunca foi necessário explicitá-las nos anúncios publicitários, em razão de serem simplórias, de uso banalizado. “Imagine ter que indicar na propaganda que a criação ou edição foi feita no Photoshop, ou no MS Paint. Faz algum sentido?”, questiona.

Audiência Pública sobre a propaganda eleitoral

A Inteligência Artificial no contexto das eleições será discutida no dia 25 de janeiro, em audiência pública sobre a propaganda eleitoral, conduzida pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Carmen Lúcia, vice-presidente da Corte Eleitoral e relatora das minutas, visando colher contribuições da sociedade, instituições e acadêmicos a respeito do tema.

O TSE, por meio da assessoria de imprensa, informou que, após as audiências públicas, as minutas que promovem alterações pontuais nas resoluções de 2019, de caráter permanente, ainda serão submetidas à análise do Plenário do TSE, que tem até 5 de março para aprovar os normativos.

Em nota, a instituição explicou ainda que os processos relacionados às Eleições 2024 tramitam inicialmente nos juízos eleitorais e, posteriormente, nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). E como se trata de eleições municipais, o TSE só examinará os casos em grau de recurso.