Projeto “Sementes do Cerrado” promove a recuperação de áreas degradadas no bioma

04 março 2025 às 09h56

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O projeto “Sementes do Cerrado: Caminhos para o fortalecimento da cadeia da restauração ecológica inclusiva nos corredores da biodiversidade” tem como intuito recuperar áreas degradadas por meio da semeadura direta de espécies nativas, promovendo a conservação da biodiversidade e a proteção dos recursos hídricos. Estão previstas ações em localidades como o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e o Parque Estadual de Terra Ronca, dois territórios de grande importância ambiental.
Embora a Chapada dos Veadeiros seja um dos primeiros lugares beneficiados, a restauração se estenderá para outras regiões do Cerrado, abrangendo sete áreas distribuídas em quatro corredores de biodiversidade. Com isso, o projeto contribui para a conexão entre fragmentos de vegetação nativa, fortalecendo ecossistemas e ajudando a mitigar os impactos da degradação ambiental.
Além da recuperação da vegetação, a iniciativa tem um caráter social, envolvendo comunidades locais no fornecimento de sementes e na execução das ações de restauração. A restauração ecológica também abre novas oportunidades de capacitação e empreendedorismo, fortalecendo a economia local.
Em entrevista ao Jornal Opção Entorno, a presidente da Rede de Sementes do Cerrado (RSC), Anabele Gomes, responsável pelo projeto, detalha, a seguir, os objetivos e desafios da iniciativa, defendendo a importância da restauração ecológica como ferramenta para a conservação do Cerrado e o desenvolvimento sustentável das comunidades envolvidas.
Paulo Henrique Magdalena – A restauração dos 200 hectares será realizada exclusivamente na Chapada dos Veadeiros ou abrangerá outras áreas do Cerrado, incluindo municípios do Entorno?
Anabele Gomes – A restauração dos 200 hectares não será realizada exclusivamente na Chapada dos Veadeiros, mas sim em sete áreas distribuídas em quatro corredores de biodiversidade no Cerrado: RIDE DF-Paranaíba-Abaeté, Sertão Veredas-Peruaçu, Serra do Espinhaço e Veadeiros Pouso-Alto Kalunga. Dentro do corredor Veadeiros Pouso-Alto Kalunga, parte da restauração ocorrerá no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e no Parque Estadual de Terra Ronca. Entretanto, o projeto também contempla áreas em outros municípios do Cerrado, abrangendo assentamentos rurais, Unidades de Conservação e territórios prioritários para conservação nos estados de Goiás, Minas Gerais e no Distrito Federal. Dessa forma, a iniciativa busca fortalecer corredores ecológicos em diferentes regiões, contribuindo para a conservação do Cerrado, um bioma fundamental para a manutenção dos serviços ecossistêmicos e que, infelizmente, já perdeu quase metade de sua vegetação original.
Paulo Henrique Magdalena – Quais comunidades locais serão envolvidas no projeto e de que forma elas participarão do processo de restauração ecológica?
Anabele Gomes – Antes de abordar as comunidades envolvidas no projeto, é importante destacar que, além da restauração, o objetivo desta iniciativa é promover a inclusão social, fortalecer e dar visibilidade às comunidades, ressaltando seu papel na proteção do Cerrado. A Rede de Sementes do Cerrado (RSC) executará o projeto ao longo de 48 meses, priorizando a restauração inclusiva, na qual as comunidades parceiras estarão presentes em todas as etapas do processo, desde a escolha das áreas e da metodologia a ser utilizada, até a coleta de sementes, preparo do solo, plantio e monitoramento das áreas. Mais do que restaurar ecossistemas degradados, o projeto busca transformar a relação das comunidades com o Cerrado, promovendo geração de renda e igualdade social, um trabalho que já vem sendo conduzido pela RSC nos últimos anos.
O projeto envolverá diretamente quatro grupos de coletores de sementes e restauradores comunitários: a Associação Cerrado de Pé, em Goiás; os Coletores Geraizeiros, em Minas Gerais; a Associação dos Produtores Agroecológicos do Alto São Bartolomeu (Aprospera), no Distrito Federal; e a Cooperativa dos Agricultores Familiares e Agroextrativistas do Vale do Peruaçu (Cooperuaçu), também em Minas Gerais. Esses grupos irão desempenhar um papel essencial no fornecimento de sementes nativas e na execução da restauração.
Além disso, nas áreas onde ainda não há grupos mobilizados, como no Parque Estadual de Terra Ronca e no Assentamento Itaúna, a RSC, junto com empresas parceiras, será responsável por conduzir a restauração, garantindo a participação ativa das comunidades locais. Também serão realizadas capacitações técnicas e administrativas, além de assistência técnica, para promover a profissionalização dos envolvidos e ampliar as oportunidades de geração de renda por meio da restauração ecológica.

Paulo Henrique Magdalena – Como a iniciativa pretende fortalecer a economia local? Haverá incentivo à produção e comercialização de sementes nativas?
Anabele Gomes – O fortalecimento da economia local é um dos principais objetivos do projeto, que busca fomentar ainda mais a cadeia produtiva da restauração ecológica no Cerrado. Para isso, a iniciativa promoverá capacitações para grupos de coletores de sementes e restauradores, garantindo suporte técnico e administrativo para expandir sua atuação. Além disso, será realizada a compra direta de todo o montante de sementes a ser utilizado nos plantios desses grupos, estimulando a geração de renda e consolidando um mercado sustentável para a comercialização de sementes nativas.
O projeto também prevê dias de campo e cursos voltados à disseminação da técnica de semeadura direta, possibilitando que empresas e órgãos conheçam essa metodologia e passem a utilizá-la, expandindo, assim, a demanda por sementes.
Além disso, a iniciativa incentiva a inclusão de mulheres e jovens na cadeia produtiva, fomentando o empreendedorismo e contribuindo para a permanência das comunidades em seus territórios. Outra estratégia fundamental será a implementação dos Sistemas Agrocerratenses, que combinam práticas de restauração ecológica com produção agroecológica, promovendo benefícios ambientais e socioeconômicos simultaneamente.
Com essas ações, o projeto não apenas impulsiona a restauração do Cerrado, mas também fortalece a economia local, garantindo que os benefícios sejam distribuídos entre as comunidades envolvidas.
Paulo Henrique Magdalena – Existem parcerias com instituições de pesquisa ou órgãos ambientais para monitorar os impactos da restauração ao longo do tempo?
Anabele Gomes – Sim, o projeto conta com diversas parcerias estratégicas para garantir um acompanhamento técnico e científico eficiente das ações de restauração. Além disso, há uma colaboração com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para o monitoramento da vegetação e certificação ambiental de áreas restauradas no Assentamento Oziel Alves, localizado na região de Águas Emendadas, dentro da Área de Proteção Ambiental do Planalto Central. Esse local é um dos últimos remanescentes bem preservados do Cerrado no Distrito Federal e seu entorno e desempenha um papel fundamental na conservação dos recursos hídricos, pois conecta grandes bacias hidrográficas da América Latina, como a Tocantins/Araguaia e a Platina.
O projeto também prevê o uso de tecnologias de geoprocessamento e sensoriamento remoto para avaliar a evolução das áreas em restauração. Outro ponto de destaque é a pesquisa aplicada sobre sementes nativas, que visa incluir pelo menos 10 novas espécies no mercado de sementes e aprimorar técnicas de restauração. Essas parcerias com instituições acadêmicas, órgãos ambientais e especialistas em restauração garantirão que os impactos das ações sejam monitorados ao longo do tempo, contribuindo para a melhoria contínua das práticas adotadas.

Paulo Henrique Magdalena – Quais são os principais desafios para a implementação do projeto e como a RSC pretende superá-los?
Anabele Gomes – A implementação do projeto enfrenta alguns desafios técnicos importantes. Quem trabalha com restauração ecológica sabe que um dos principais obstáculos é o controle de espécies exóticas invasoras, especialmente gramíneas como braquiária e andropogon, que competem com as espécies nativas. Para lidar com essa questão, o projeto prevê um manejo rigoroso dessas espécies aliado às ações de restauração.
Outro desafio relevante é a compactação do solo e a degradação severa de algumas áreas, muitas das quais foram utilizadas anteriormente para pecuária e monocultura. A solução será a descompactação do solo e o uso de técnicas de restauração adaptadas às condições específicas de cada local.
As queimadas recorrentes também representam um risco para o sucesso da restauração. Por isso, o projeto contará com parcerias com brigadas de incêndio, ações de monitoramento ambiental e mobilização comunitária para prevenir novos incêndios. O engajamento da comunidade e a capacitação de novos grupos também são desafios importantes, que serão enfrentados por meio de treinamentos contínuos, incentivando a formação de novos coletores e restauradores.
Outro obstáculo está relacionado à dificuldade de restauração de áreas úmidas, como veredas. Para superar essa barreira, o projeto utilizará técnicas inovadoras para retenção de água no solo e transplante de espécies nativas adaptadas a essas condições.
A Rede de Sementes do Cerrado já possui experiência na restauração de mais de 700 hectares no bioma e, por meio de sua abordagem participativa e colaborativa, pretende superar esses desafios, garantindo que os benefícios da restauração sejam duradouros tanto para o meio ambiente quanto para as comunidades envolvidas.
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