Em meio a protestos, a CLDF aprovou o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília
20 junho 2024 às 16h00
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A Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) aprovou em dois turnos o projeto de lei no 41/2024, que cria o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), proposta elaborada pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh). O assunto, que trata do plano de preservação; legislação de uso e ocupação do solo; e Plano de Desenvolvimento Local (PDL), reunindo plano de projetos, de ações e de obras, já vinha sendo discutido há 15 anos, passando, portanto, por várias gestões até culminar na atual proposta enviada pelo Governo do Distrito Federal (GDF) em 4 de março.
O projeto teve 18 votos a favor e seis contrários, sendo que, antes de chegar ao Plenário, teve relatórios favoráveis das comissões de Assuntos Fundiários (CAF); de Desenvolvimento Econômico Sustentável (CDESCTMAT); de Economia, Orçamento e Finanças (CEOF); e de Constituição e Justiça (CCJ). Entretanto, recebeu parecer contrário da Comissão de Educação, Saúde e Cultura (CESC). Agora, seguirá para sanção do governador Ibaneis Rocha (MDB).
Segundo o titular da Seduh, Marcelo Vaz, a aprovação na Câmara representou uma vitória para a capital do país. “Nossa equipe técnica realizou um trabalho criterioso, tendo como foco a garantia da preservação, mas entendendo que tombamento não pode significar engessamento, devendo ser garantido o desenvolvimento da cidade”, declarou. “Além disso, o texto foi amplamente discutido com a sociedade, foram oito audiências públicas realizadas pelo governo e outras cinco promovidas pela CLDF”.
Especulação imobiliária
Para a oposição, porém, faltaram debates mais efetivos na Casa Legislativa, visto se tratar de um assunto extremamente complexo. O deputado distrital Fábio Felix (PSOL) aponta que não houve preocupação, por exemplo, com a questão ambiental. “Vimos a tragédia no Rio Grande do Sul e estamos cedendo à especulação imobiliária”, alertou ele, durante a sessão plenária que aprovou o projeto. “Se esse território já é extremamente elitizado, a proposta que está sendo apresentada avança na elitização do Plano Piloto e toda a região do Conjunto Urbanístico de Brasília (CUB). Estamos atendendo a interesses privados”, criticou.
Ele ainda chamou atenção para o fato de que várias emendas foram aprovadas “sem estudos de impacto ambiental, sem estudos viários e sem estudos de ocupação, desafetação e reparcelamento”. Entre as emendas, o parlamentar criticou especialmente a de número 37. “O governo estava prevendo anteriormente a autorização de albergues, pensões e outros alojamentos. Aí a emenda ampliou para aquela região das 700 e 900, tanto da Asa Sul quanto Asa Norte, para hotéis, apart hotéis e motéis. Só que não houve discussão com a comunidade sobre esse tema”, frisou.
Em sua avaliação, a preservação do tombamento nem de longe foi o foco das discussões na Câmara. “A confusão de textos, o abandono do projeto original da cidade e a concessão máxima ao poder econômico de forma direcionada e não focada no interesse público: esse, para mim, é o resultado desse ‘minotauro’ que é o relatório do PPCUB que estamos aprovando”, finalizou.
“Vícios insanáveis”
O parlamentar petista Chico Vigilante foi na mesma direção, dizendo que a maioria dos deputados que votaram, sequer conhecem a proposta aprovada, que, para ele, tem “vícios insanáveis”. “Era pra ser um projeto de preservação, mas o PPCUB se tornou um projeto de destruição da capital da República pensada pelo Lúcio Costa e pelo Oscar Niemeyer”, afirmou ele, ao Jornal Opção Entorno. “Creio que o Palacio do Planalto precisa tomar providências, porque eles estão adensando as imediações do Palácio da Alvorada e do Palácio do Jaburu, querendo colocar residências com 20 mil pessoas naquela área, o que é um absurdo. Desfigura completamente a orla do Lago”, destacou o deputado, em relação a uma das mudanças aprovadas no projeto.
O parlamentar dirigiu duras críticas principalmente à possibilidade de aumento no gabarito de hotéis com apenas três andares localizados nos setores hoteleiros Norte e Sul. Com isso, de acordo com a nova proposta, eles podem chegar a até 12 andares, com 35 metros de altura. “Isso mutila o centro de Brasília. O projeto original da capital está sendo desfigurado completamente, visando apenas a exploração imobiliária”, ressaltou.
Segundo ele, centenas ações judiciais deverão ser impetradas contra a proposta após a sanção. “Isso vai parar no Supremo Tribunal Federal; vai ser levantada uma série de inconstitucionalidades”, prevê.
Nota do Iphan
Outro aspecto criticado pelo parlamentar foi a história de que haveria um suposto aval do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ao projeto. “É mentira!”, exclamou, durante discurso em plenário. “O Iphan não apoia, até porque não é o seu papel. Seria passar o carro na frente dos bois. Ele vai analisar depois que a lei for aprovada e surgirem os projetos”, esclareceu.
E, de fato, em nota divulgada nesta semana, o presidente do Iphan, Leandro Grass, disse ser equivocada a informação de que o Instituto teria dado apoio ao atual texto do PPCUB. “O Governo do Distrito Federal (GDF) é o responsável pela elaboração da proposta que se encontra na Câmara Legislativa. Coube a ele acatar ou não as recomendações feitas pela área técnica do Iphan, que não atua como órgão de controle urbano, pois não exerce controle administrativo ou político sobre o GDF. Tampouco emite normas de uso e ocupação do solo. Outro ponto a destacar é que o projeto recebeu diversas propostas de alteração através de emendas dos parlamentares, o que é absolutamente natural no processo legislativo, mas estas não foram objeto de análise do Iphan. Fiscalizar este processo é tarefa da sociedade e dos órgãos de controle administrativo. Neste sentido, a informação de que ‘o Iphan aprovou o PPCUB’ representa um equívoco”, diz o comunicado.
Prós e contras
Representantes da construção civil em Brasília divergiram sobre o texto da proposta aprovada. Para o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Distrito Federal (Sinduscon-DF), Adalberto Valadão, o PPCUB traz uma dinamização à cidade. “As pessoas mudam, as cidades mudam e as legislações precisam acompanhar essas mudanças”, argumentou.
Já o empresário Paulo Octavio, em declaração ao Jornal Opção Entorno, fez severas críticas a alguns aspectos do projeto. “Há pontos no PPCUB que são positivos para a cidade, mas essa mudança de áreas e transformações muito drásticas vão prejudicar nossa qualidade de vida e as futuras gerações”, refletiu. “A cidade está sendo ainda construída, tem dezenas de áreas que não foram desenvolvidas ainda, vários terrenos que não foram construídos. Então, que se construa o que está aprovado. Agora, quando você faz uma mudança de destinação, cria novas áreas habitacionais em locais que não foram programados para isso, o futuro vai condenar essas áreas. Veja, por exemplo, o Setor de Clubes, trecho 4. Fica ao lado do Palácio do Jaburu e do Palácio da Alvorada. É uma área de segurança nacional. E de repente podem ir morar lá 20 mil pessoas. A rua é estreita, o acesso é difícil”.
Em relação a um dos pontos mais polêmicos do projeto, o aumento do gabarito dos hotéis, Paulo Octavio disse ser contrário à medida. “Para quê criar novos espigões desfigurando o centro da cidade? Congestionando o centro da cidade? Beneficia a quem? A quem interessa a aprovação do PPCUB? As entidades que são proprietárias desses terrenos, o próprio governo que está criando novas áreas, os particulares também que compraram terrenos, os proprietários do Setor de Clubes… O benefício é para as pessoas que vão ter os seus imóveis com mudança de destinação. Então essas pessoas são as beneficiadas”, concluiu.
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