Escola de Benzedeiras preserva tradições ancestrais no DF

11 fevereiro 2025 às 11h18

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O benzimento está entre as práticas que resistem ao tempo e atravessam gerações, funcionando como uma verdadeira “medicina da alma”. Entre ramos de arruda, orações e uma fé inabalável, os benzedeiros e benzedeiras tecem um manto de proteção que alivia dores, afasta os males invisíveis e enaltece a sabedoria popular.
Uma figura central nesse movimento é Maria Bezerra, idealizadora da Escola de Almas Benzedeiras de Brasília. Sua intenção era seguir os passos de sua avó, uma praticante dessa tradição ancestral. Assim, iniciou uma jornada de aprendizado junto a mestras do Cerrado, como Dona Juliana, uma senhora de 97 anos que vivia em uma instituição de idosos em Planaltina-DF, e Dona Maria Paula, moradora do Paranoá. “Entrei em contato com elas para aprender rezas e benzimentos. A troca de experiências inspirou a formação de um grupo dedicado ao aprendizado e a essa prática”, afirma Bezerra.
Sem vínculo com nenhuma religião, essa equipe de benzedeiras voluntárias atua desde 2017 em unidades de saúde, parques e outros locais. “O projeto teve início no Centro de Saúde nº 13, na 115 da Asa Norte. Sabia que ali já eram praticadas terapias integrativas e, com isso, propus a possibilidade de, toda sexta-feira, oferecer o benzimento naquele espaço”, relata.
Aprendizagem coletiva
A escola, que reúne cerca de 50 participantes, tem se consolidado como um local de aprendizado e valorização dos saberes ancestrais. “Hoje, contamos com benzedeiras que aprenderam com nosso movimento ou que já trazem consigo a sabedoria de outros lugares. O grupo se reúne periodicamente para práticas de benzimento, mas também em encontros de aprendizagem coletiva, com o objetivo de fortalecer e expandir os conhecimentos transmitidos ao longo das gerações”, explica a idealizadora do projeto. “A gente está sempre procurando aprender umas com as outras, fazendo oficinas de rezas e uso de plantas medicinais”, acrescenta.

Além das práticas presenciais, o projeto inovou ao oferecer um benzimento à distância, que ocorre a cada 15 dias. “Isso tem gerado um impacto muito grande, com um volume significativo de acessos e envio de aproximadamente 6 mil nomes colocados no formulário para benzimento”, revela.
Maria Bezerra frisa que esse tipo de atividade não é fácil, pois enfrenta preconceito em diversos momentos. “Nem todo espaço que buscamos é bem acolhido. Ainda existem resistências, principalmente de alguns segmentos religiosos e da sociedade em geral”, observa, ressaltando as dificuldades que o grupo enfrenta ao tentar expandir seu trabalho e ser reconhecido.
Preservação dos saberes populares
A antropóloga Sílvia Guimarães, professora da Universidade de Brasília (UnB), ressaltou a importância do diálogo entre tradições populares e a ciência acadêmica, destacando que ambas são formas legítimas de produção de conhecimento. “Os saberes tradicionais se baseiam na vivência e na sensibilidade corporal, enquanto os científicos focam no domínio de conceitos; ambos observam, experimentam e criam métodos, mas os saberes populares também acionam a espiritualidade”, compara. “Por exemplo, uma benzedeira observa muito e conhece os ciclos de vida, a anatomia e fisiologia do corpo de uma pessoa a partir de um olhar do mundo tradicional, e ela pensa articulada com um dom divino que recebeu”, analisa.
Na perspectiva antropológica, esses conhecimentos ancestrais não apenas informam, como também transformam aqueles que os praticam. “Os saberes populares são transmitidos entre gerações, estão cheios de memória do local onde se vive, dos antepassados, por isso estão ancorados no pertencimento, no sentimento de se identificar com um grupo social. Essa memória diz quem você é, e isso é ter uma identidade de grupo, de coletivo, cria um sentimento de continuidade vivido pelo conjunto da coletividade”, explica.

Políticas públicas
Sílvia argumenta que reconhecer o valor desses conhecimentos é um passo fundamental para construir políticas públicas mais inclusivas e eficazes. No campo da saúde, por exemplo, muitas práticas tradicionais oferecem tratamentos complementares que podem ser incorporados ao sistema formal. Da mesma forma, na educação, integrar saberes locais pode tornar o ensino mais significativo para diversas comunidades.
De acordo com a antropóloga, as benzedeiras são referências de cuidado e bem-estar, utilizando um conhecimento ancestral para ajudar a comunidade. “Elas são complementares aos serviços de saúde oficiais. Cuidam das pessoas que buscam conforto, uma conversa, um momento de reza e paz, ou buscam levar a cura para alguma enfermidade”, conclui.
Para mais informações sobre a Escola de Almas Benzedeiras e a programação de agendas, siga o Instagram: @benzedeiras.brasilia.
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