Profissionais da educação em Cristalina e Novo Gama debatem a nova lei do bullying
30 janeiro 2024 às 12h30
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Pela garantia da proteção de crianças e adolescentes, a Lei nº 14.811, de 2024, sancionada em janeiro, inclui os crimes de bullying e cyberbullying no Código Penal Brasileiro. Embora seja reconhecidamente um avanço, professores e secretários de Educação do Entorno avaliam que a questão vai além da tipificação do crime e o combate à violência passa por todos os setores da sociedade: pais, alunos, professores e governos.
O texto sancionado define bullying como intimidação sistemática, individual ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, por meio de atos de humilhação ou discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais. E prevê multa e reclusão de 2 a 4 anos para quem cometer o bullying (presencial), e multa para o delito realizado em ambientes virtuais (cyberbullying).
Rigor da lei ou educação?
O endurecimento das regras, no entanto, ainda deixa dúvidas sobre como se dará a aplicação da lei. Na comunidade escolar, o entendimento é de que a mudança pode coibir novas práticas, mas a principal aposta é na conscientização antes que o crime ocorra. Procurada, a Polícia Civil do Estado de Goiás (PCGO) não apontou inquéritos neste ano relacionados a casos de bullying ou cyberbullying, desde a sanção das novas regras, agora em janeiro.
Para a secretária de Educação de Cristalina, professora Nilda Gonzatti, a lei é extremamente importante e fundamental, mas a educação abrangente – que englobe o estudante, as famílias e os profissionais – é que de fato pode combater o bullying. “A lei traz a punição; a educação é a prevenção, a mudança direta no agir. Apenas o endurecimento legal não combate o problema, que é um reflexo dos contextos estruturais vivenciados pelas pessoas, a cultura local, familiar, o contexto social em que se está inserido, entre outros fatores”, argumenta.
Envolvimento da família
Nas cidades do Entorno com maior vulnerabilidade econômica e social, na avaliação de Gonzatti, há o risco de recrudescimento de atos violentos de forma generalizada, incluindo o ambiente escolar. “Assim como em grandes centros, a região do Entorno é, infelizmente, propícia à propagação da violência pelas poucas oportunidades, pela exclusão social e pela pobreza”, observa.
Por outro lado, ela frisa que esse fenômeno não é uma exclusividade de grupos vulneráveis e que seria um preconceito estrutural pensar dessa forma. “O bullying muitas vezes é praticado por pessoas social e economicamente estabelecidas, que se veem como superiores aos demais e perpetuam a violência comportamental”, analisa.
Por isso, ela defende a conscientização e a educação como meios mais eficazes para diminuir esse tipo de ocorrência, independentemente do contexto social. “A escola, por sua natureza, é, ou pelo menos deveria ser, acolhedora e agregadora. A violência dentro do ambiente escolar não é resultado apenas da pobreza ou fora dela. Tem mais a ver com a repercussão de como cada um se vê e se porta na relação com o outro. Ouso dizer que a violência do bullying é praticada mais pelos favorecidos sobre os vulneráveis do que o inverso”, reflete.
Na opinião da professora, é fundamental que a família esteja envolvida diretamente na vida escolar das crianças e adolescentes. “O bullying é muitas vezes a reprodução de comportamentos e preconceitos vividos ou vistos em casa; por isso a educação é o melhor caminho. Discutir o tema nas escolas e em todas as idades deve ser pauta permanente da educação”, sentencia. Ela enfatiza que as ações do Protocolo de Segurança Escolar serão intensificadas com a realização de encontros mensais com as famílias, por meio do projeto Escola de Pais.
Preparo para identificar os casos
Para a subsecretária de Educação do Novo Gama, professora Maria de Lourdes Oliveira Brito, para que a nova normal legal tenha eficácia, é necessário um empenho maior do governo e da sociedade. “Necessitamos de maior divulgação dessa lei. Muitos pais nem sabem que ela existe”, pontua.
A professora avalia que é necessário também preparar melhor os profissionais da educação, para identificar os casos do bullying. “A maioria das agressões são veladas e a criança não tem iniciativa para reagir”, destaca. Na opinião da docente, a nova lei é, de toda forma, benéfica, porque aumenta, de um modo geral, a segurança para as crianças no ambiente escolar.
A diretora da Escola Municipal Juscelino Kubitschek de Oliveira, Raquel Alves Silveira, concorda que todos os alunos, pais e funcionários devem estar cientes das atuais regras que definem o bullying e o cyberbullying. “Além disso, é importante que as escolas tenham canais de denúncia, garantindo que os alunos possam relatar situações sem medo de represálias. É importante que as vítimas sejam ouvidas e acolhidas”, afirma.
O encaminhamento dos casos, segundo ela, passa por alguns processos, e cada escola tem diretrizes e procedimentos internos, como a investigação da ocorrência, conversa com as partes envolvidas, aconselhamento, mediação e encaminhamento para as intervenções necessárias. “É importante oferecer apoio tanto para as vítimas, quanto para os agressores. As vítimas podem precisar de suporte emocional e acompanhamento de profissionais especializados. Já os agressores devem ser conscientizados sobre as consequências de suas ações e receber intervenção para a mudança de comportamento”, pondera.
Temática em sala de aula
Para o professor Diogo Costa Nogueira, os recursos humanos devem se somar aos tecnológicos na solução do problema. “Junto com o endurecimento das leis, temos que abrir as escolas para o debate, ações culturais e palestras, sempre na busca de valorização do ser humano. Nossas crianças e adolescentes precisam reconhecer a diversidade”, avalia. Ele diz que é necessário ter uma atualização do tema para todos os profissionais que atuam nas escolas, os quais devem ser criativos e didáticos ao abordarem o assunto junto aos alunos.
Cartilha para crianças
Para aumentar a conscientização sobre o tema, o Ministério Público de Goiás (MPGO), por meio da Área da Infância, Juventude e Educação do Centro de Apoio Operacional, lançou a cartilha “Brincar & Aprender: Só é Brincadeira se Não Faz Mal a Ninguém”. Voltada para crianças de 5 a 11 anos, a cartilha tem como objetivo estimular a cultura de paz, a partir do respeito à diversidade, do estímulo à empatia e da tolerância à diferença.
A subprocuradora-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do MPGO, Lilian Conceição Mendonça de Araújo, destaca a importância desse tipo de ação: “Buscamos levar o assunto às famílias, para que se unam aos profissionais da educação e todos possam trabalhar na conscientização das crianças e no apoio emocional às vítimas”. A subprocuradora reforça ainda que, entre os muitos reflexos do bullying, estão os impactos à saúde mental, com sérias consequências.
Idealizadora do projeto, a coordenadora da Área da Infância, Juventude e Educação do MPGO, Cristiane Marques de Souza, explica que a iniciativa foi criada para trabalhar temas importantes de forma lúdica e interativa com as crianças. Para ela, a abordagem é inovadora, por dirigir-se especificamente ao público mirim. “O projeto dialoga com uma faixa etária no início do processo de conscientização sobre si mesmo e sobre o outro, no contexto escolar”, conclui.