Natural de Cristalina, o Padre Marcelo José Vieira Júnior, 48 anos, guia o rebanho de fiéis no município de Santo Antônio do Descoberto desde 2006, estando como reitor do Santuário que leva o nome da cidade, além de promover várias ações sociais em prol da população mais carente. “Que tudo seja feito para a maior glória de Deus, para o bem do povo de fé. Se milagre tu quiseres, peça logo a Santo Antônio”, ensina o sacerdote, que se prepara para uma intensa programação de 1º a 13 de junho, voltada a uma das maiores festas religiosas do Estado de Goiás. Trata-se da 254ª Trezena e Festa de Santo Antônio, um evento que mistura cultura, folclore e religiosidade.

Durante esse período, a cidade é tomada por diversas manifestações de fé e devoção ao santo casamenteiro, o Santo Antônio de Pádua. Já na parte social, milhares de pessoas da região acorrem aos festejos, atraídas pela farta decoração, pelos estandes de comidas típicas e shows de artistas, alguns conhecidos nacionalmente.

Nesta entrevista ao Jornal Opção Entorno, Padre Marcelo conta detalhes sobre as obras sociais do Santuário, revela várias curiosidades sobre os festejos e promete que, a partir deste sábado (1º/06), o povo viverá 13 dias de alegria, devoção, fé e esperança.

Padre Marcelo com o governador Ronaldo Caiado (UB), que todos os anos prestigia a Festa de Santo Antônio (Foto: Divulgação)

Luciana Amaral – O senhor foi nomeado pároco da Paróquia de Santo Antônio em 2006. Em 2008, a Igreja Matriz foi elevada a Santuário por quais razões?

Padre Marcelo – Quando cheguei aqui em Santo Antônio do Descoberto, o bispo me pediu que evangelizasse, levasse Jesus às pessoas e, sobretudo, desse atenção aos mais necessitados. Porém, acabei descobrindo um outro tesouro, quase tricentenário. Para entender o que é esse tesouro, é importante saber que existe no município uma igrejinha e todo um mistério em torno do seu surgimento. No século XVIII, os escravos, voltando da mineração do ouro, encontraram, junto a um pé de angico, a imagem de Santo Antônio e a levou ao seu senhor. Ele ficou muito feliz, dizendo que haviam lhe trazido o maior tesouro. Então, o senhor de escravos resolveu, no lugar do achado da imagem, construir uma igrejinha para guardar o santo descoberto. Depois, a igrejinha ficou abandonada e o vigário da Paróquia de Santa Luzia mandou buscar a imagem para colocá-la no altar de Santa Luzia, em Luziânia. E assim foi feito, mas o santo sumiu, voltando para o mesmo lugar onde foi achado. O vigário ordenou, então, que buscassem novamente a imagem e, da mesma forma, o santo desapareceu, sendo reencontrado na igrejinha. Conta-se que, na última vez, o padre teria trancado a imagem num baú, com cadeado. Porém, ao verificar o baú no dia seguinte, o santo havia sumido de novo. Ele percebeu, então, que estava diante de um fato milagroso e convocou a freguesia de Santa Luzia para realizar um festejo e uma romaria rumo ao santo descoberto, o santo “fujão”. Quando eles vieram para cá para fazer o festejo, encontraram uma outra multidão, porque a notícia se espalhou. E muitas pessoas, sabendo disso, começaram a vir para batizar, casar e pagar promessas. Junto a isso, aconteceram milagres, que ganharam fama na região. E a festa vem se perpetuando nesses mais de 200 anos de existência.

Na época que cheguei aqui, descobri na festa esse movimento, o que me impressionou muito, e vi que aquilo era o tesouro. O ouro, a riqueza mineral, já havia sido levado, mas permaneceu o tesouro da fé, da esperança dos pobres. Havia uma igreja matriz em construção, conseguimos concluí-la e solicitamos o reconhecimento de que aqui é um lugar santo, por causa da abundância de milagres. A Igreja, após analisar todo o processo, aprovou e reconheceu que a igreja de Santo Antônio do Descoberto é realmente um lugar de graça especial. Por isso, elevou a igreja matriz a Santuário de Santo Antônio do Descoberto. Porque aqui foi descoberto o tal santo.

Luciana Amaral – O responsável por decidir se a igreja pode ser elevada a santuário é o próprio bispo?

Padre Marcelo – Quem determina é o bispo diocesano após ouvido o conselho, que analisa, reconhece, faz um decreto e realiza a solenidade de instalação do Santuário. Aqui, Santo Antônio é o santo dos milagres. É uma coisa impressionante. Todos os anos, as multidões vêm para batizar. São muitos batizados aqui, com muitas promessas e milagres que o povo alcança.

Luciana Amaral – De 1º a 13 de junho vai acontecer a 254ª Trezena e Festa de Santo Antônio. Poderia falar um pouco sobre como é o evento?

Padre Marcelo – A festa é cultural, religiosa e folclórica. Começa na roça. No dia 28 de maio, começou a Folia de Santo Antônio na zona rural, percorrendo as casas e fazendas. A Folia do Sul saiu no dia 28 e a do Norte no dia 30 de maio. No dia 1º, às 5h da manhã, tem queima de fogos em todos os bairros da cidade. Às 5h30, pessoas saem do Santuário batendo em panelas e tocando cornetas. É uma caminhada barulhenta, para acordar a cidade com alegria e anunciar que começaram os festejos do padroeiro. Essa caminhada segue até a tricentenária igrejinha, a uns 2 km do Santuário, aproximadamente, onde é servido o café da manhã gratuito para todos os que estão participando e ocorre a celebração da primeira missa. Às 16h do mesmo dia chegam as folias do norte e do sul diante da igrejinha. É um momento muito emocionante. Os foliões fazem saudações com cantos religiosos à moda de viola, rezando e agradecendo pelos milagres.

Foto: Divulgação

Luciana Amaral – Gostaria que o senhor contasse um pouco sobre a tradição em torno dos pãezinhos milagrosos de Santo Antônio, distribuídos aos fiéis após as missas, durante a trezena.

Padre Marcelo – Esses pãezinhos são fabricados por padeiras rezadeiras e a receita é trancada a sete chaves. Só elas têm acesso. Meus antecessores haviam deixado de lado esse costume e passaram a comprar o pão na padaria, porque era mais fácil. Mas quis recuperar o costume antigo, com a seguinte espiritualidade: nenhum ingrediente pode ser comprado, nem pedido. Só se faz pão, se for enviado. E por quem? Por Deus e Santo Antônio. Então, todos os anos, os materiais e ingredientes chegam até nós pelos próprios devotos que alcançaram alguma graça por meio do pãozinho. E aí, como agradecimento, eles doam a farinha, o óleo e o sal.

Eu me recordo que, há uns 8 anos, uma das padeiras, ao fazer os pães do dia 1º, disse que só haveria farinha suficiente para aquela data. E perguntou se eu compraria para o dia seguinte. Então, respondi: “Se não tiver farinha, não haverá pão amanhã, porque esse pão é resultado de um milagre, que vai levar o milagre a outra pessoa”. Esta é a espiritualidade do pãozinho de Santo Antônio: alguém alcançou uma graça, que vai se tornar a graça de alguém em outro dia ou outro ano. O ingrediente é levado sem que a gente peça.

E o mais impressionante: quando estava saindo para o Santuário naquele dia, encontrei um senhor, que queria pagar uma promessa, por ter alcançado uma graça muito grande. Ele havia trazido farinha e óleo para fazer o pãozinho de Santo Antônio. Então, eu disse: “Vá lá e diga à padeira para ter mais fé e não duvidar”. E naquele dia chegaram todos os ingredientes para o dia seguinte. E assim sucessivamente. No ano passado, chegamos a fazer aproximadamente 60 mil pãezinhos, e nenhum ingrediente foi comprado. Tudo chega na hora que precisa e sempre sobra muita farinha. Agora, estamos pensando em começar um trabalho social, porque chega farinha demais. A ideia é começar a produção de macarrão para os pobres, utilizando essa farinha, e colocar na cesta básica para os irmãos mais necessitados.

Luciana Amaral – Além do pãozinho de Santo Antônio, quais outras tradições existem em torno desses festejos?

Padre Marcelo – Temos uma missa diária, às 19h30, na praça em frente ao Santuário. Outra coisa interessante é o chamado “Pau de Santo Antônio”, incumbido a uma solteirona que está em busca de um casamento. O pau, na verdade, é um mastro de 16 até 20 metros com uma bandeira, erguido do dia 12 para o dia 13, anunciando a festa do Santo e enfeitado com fitas coloridas. Depois que a bandeira é inserida no mastro, é feita a bênção. As pessoas acreditam que, ao arrancar uma fitinha e uma lasca do pau, guardando-as consigo, elas conseguem arrumar casamento. É um folclore. No ano seguinte, essas pessoas voltam com a fitinha e a lasca para jogá-las na fogueira e agradecer a bênção recebida.

Há vários outros costumes também, como o desfile de carros de boi e a Missa dos Romeiros no dia 9 de junho, um outro momento do povo da zona rural que vem fazer sua devoção. Como nós sabemos, o Entorno de Brasília é tomado por muitos nordestinos ou filhos de nordestinos. Então, no dia 9, temos a missa sertaneja, mais ligada ao povo da roça, e à noite a gente faz, na trezena, a missa nordestina. É impressionante ver o quanto os nordestinos se sentem em casa.

A missa nordestina acontece sempre no dia 9 de junho (Foto: Divulgação)

Luciana Amaral – Além da parte espiritual e folclórica da festa, como serão os festejos sociais, com shows e estandes de alimentação?

Padre Marcelo – Nós teremos parque de diversões, shows ao vivo e barracas de alimentação com comidas típicas. O espaço da festa, nesses dias, é todo tomado por cores; a cidade se veste de beleza e de encanto, rompendo o cinza das construções frias e tomando um colorido de esperança de um povo que já é sofrido, mas que nesse tempo encontra motivos, esperança, alegria, ternura, união e diversão. Podemos dizer que a diversão da cidade é uma vez por ano, nos festejos de meu santo. Essa parte social ocorre diariamente. Até o dia 7, acontecem shows com cantores da cidade. Depois, começam a entrar os artistas mais famosos, como Amado Batista, Guilherme Silva, Trio Parada Dura, Jhonny e Rahony, e Pedro Paulo e Matheus.

Luciana Amaral – Por que a festa dura 13 dias?

Padre Marcelo – O dia de Santo Antônio é dia 13. O certo é fazer novena, mas como começar uma novena fora do dia 1º não fica muito bem, então preferimos começar no dia 1º e fazer, em vez de novena, uma trezena, com 13 dias de oração, fé, devoção e esperança.

Luciana Amaral – Como essa festa está sendo custeada?

Padre Marcelo – A estrutura dos shows está sendo colocada pela Secretaria de Estado da Cultura de Goiás (Secult-GO). Temos, ainda, emendas parlamentares que financiam esses shows. Portanto, há investimento público envolvido. A igreja cuida da parte social, de produção de alimentos, organização, instalação do parque de diversões e outros itens.

Luciana Amaral – As emendas parlamentares vêm de quais deputados?

Padre Marcelo – São do deputado estadual André do Premium (Avante) e dos deputados federais Hildo do Candango (Republicanos) e José Nelto (PP). E temos também apoio do Governo do Estado de Goiás, por meio da Secult.

Luciana Amaral – Muitas autoridades e políticos goianos participam desse evento, que não necessariamente são da cidade?

Padre Marcelo – Dia 13, todos os anos, é costume o governador do Estado de Goiás estar lá e fazer um pronunciamento à população. Nesse dia também teremos a presença do vice-governador Daniel Vilela e dos deputados federais José Nelton e Hildo do Candango. O deputado estadual Wilde Cambão (PSD) também comparece anualmente, porque, antes de ser deputado, ele era romeiro de Santo Antônio. A família dele é uma das fundadoras, aqui. Foi o tetravô de Cambão quem doou essas terras para a igreja de Santo Antônio. Existe todo um vínculo com esses políticos de Luziânia. Às vezes aparecem deputados de Brasília, como o deputado federal Fred Linhares (Republicanos) e o deputado distrital Joaquim Roriz Neto (PL). Dona Weslian Roriz também vem todos os anos à festa. Então, são muitas autoridades que vêm pela devoção, pelo costume e pela fama do evento. Atualmente, é a terceira maior festa religiosa do Estado de Goiás. A gente estima que, no ano passado, passaram pelos 13 dias de evento aproximadamente 180 mil pessoas, sendo parte do próprio município e outras de lugares como o Distrito Federal, Luziânia, Águas Lindas, Valparaíso, Novo Gama, Alexânia e Abadiânia.

O sacerdote com o deputado estadual Wilde Cambão (Foto: Divulgação)

Luciana Amaral – No ano passado, o deputado estadual Wilde Cambão apresentou projeto para que os Festejos em Louvor a Santo Antônio fossem declarados como Patrimônio Cultural e Imaterial Goiano. Que benefícios essa medida trouxe para a festa?

Padre Marcelo – Primeiramente, essa medida reconhece que essa gente tem uma história e uma cultura que ninguém consegue romper. Está no sangue do povo. Além disso, ajuda a garantir investimentos públicos e promoção do evento. Outro ponto positivo é que o comércio se aquece. Inclusive, os comerciantes da cidade dizem que há duas festividades anuais em que o comércio ganha muito dinheiro: Dia das Mães e Festa de Santo Antônio. Então, traz renda, crescimento econômico e diversão para a cidade, além de manter a cultura e as tradições dessa gente. Portanto, a criação dessa lei foi muito importante. Agora, o poder público pode investir para manter e salvaguardar a cultura do povo.

Luciana Amaral – Poderia falar um pouco sobre as obras beneficentes do Santuário, como distribuição de sopa, de cestas básicas e ainda a creche que atende mais de 300 crianças?

Padre Marcelo – Quando cheguei aqui, me deparei com muita pobreza e muitas crianças nas ruas. Aquilo me chocava muito. Havia, na época, um movimento católico que fazia uma sopa uma vez por semana para moradores de rua. Quando vi, percebi que era pouco e precisávamos fazer mais. Então, criamos a Pastoral da Caridade, que passou a fazer sopa diariamente. Hoje, ela serve 300 refeições por dia no final da tarde. Só que isso também não era suficiente. Havia muitas famílias desempregadas, passando necessidade. Às vezes o desempregado não tem o que comer em casa e precisamos arrumar uma cesta básica. Então, isso acabou crescendo muito e hoje atendemos aproximadamente 250 famílias por mês com cestas básicas. E acontecem situações interessantes, de pessoas que um dia receberam nossas cestas, melhoraram de vida e hoje doam de duas a três cestas por mês como gesto de gratidão, porque um dia a igreja lhes deu de comer.

Temos outros serviços, como as creches Menino Deus, que atende 320 crianças e atualmente é também pré-escola, e Mãezinha do Céu, que beneficia cerca de 200 crianças. Outra ação foi o abrigo Cantinho do Céu, que surgiu quanto outra casa de abrigamento não queria receber mais crianças desabrigadas. A juíza havia me chamado para conversar com o prefeito e perguntou se a igreja não poderia assumir os cuidados com os órfãos, os abandonados. Então criamos a casa de abrigamento, que o povo conhece como orfanato, e cuidamos das crianças órfãs. O abrigo Cantinho do Céu é onde você encontra os anjos, aqueles anjinhos que muitas vezes são esquecidos.

Também existe um lar de idosos muito antigo na cidade, que estava com risco de interdição, por causa do ambiente desagradável, mal cuidado, num prédio velho, e por nunca ter tido licença para funcionamento. O povo da cidade dizia que era um “depósito de velhinhos esperando a hora da morte”. O prefeito na época me chamou e perguntou se a igreja não poderia assumir o lar, porque ele não tinha quem pudesse dar a dignidade para esses idosos. E mais uma vez, já que ninguém quer, a gente assume. Nós fizemos uma reforma no lar. Tiramos o equivalente a uns sete ou oito caminhões de entulho e lixo. Criamos, de fato, um lar, com CNPJ e todos os registros e licenças. Com a graça de Deus, no último dia 13 de maio nós entregamos o novo lar dos velhinhos de Santo Antônio do Descoberto, com qualidade invejável, oferecendo dignidade a qual eles nunca tiveram. Estamos hoje com 28 idosos felizes, bem cuidados e num ambiente muito agradável. Hoje eu acho que nenhum deles quer mais ir embora, pois estão felizes naquele lugar de amor. São obras de amor verdadeiro.

Inauguração do Lar dos Velhinhos Padre Jacó Leôncio Lopes (Foto: Divulgação)

Luciana Amaral – Esse abrigo e lar dos idosos são administrados pela Associação dos Devotos do Divino Espírito Santo. Quando ela foi criada?

Padre Marcelo – É uma associação paroquial que já existe há uns 50 anos. Porém, fizemos atualização do estatuto para poder prestar tais serviços. Os membros da associação são integrantes do conselho de pastoral do Santuário. E ela tem um convênio com o município, o qual entra com funcionários e a gente assume o resto, inclusive manutenção e construção. Na realidade, quem faz tudo é o Santuário; a associação é só um meio jurídico para a gente se relacionar com o poder público. A parceria com a prefeitura tem de ser por meio da associação, e não do Santuário, por causa da finalidade.

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