Sessão plenária da Câmara de Cidade Ocidental termina com acusações de intolerância religiosa

13 março 2025 às 13h34

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Durante a plenária de ontem (12), a votação de um requerimento do vereador Ihago do Abrigo (PSD) gerou polêmica. O documento solicitava a destinação de um espaço público para religiões de matriz africana e espiritualista. O vereador Danielzinho Lima (PSD) pediu que todos os parlamentares do bloco que ele lidera, entre eles o vereador Anaelson (UB), votassem contra. Ele alegou que, apesar de respeitar o tema, o Estado é laico e, como católico, não votaria a favor.
A postura de Danielzinho e Anaelson foi criticada e interpretada como intolerância religiosa. O Coletivo Afro de Cidade Ocidental publicou uma nota de repúdio, classificando as declarações como intolerantes e discriminatórias. O grupo lembrou que a liberdade religiosa é um direito fundamental garantido pela Constituição. Destacou ainda que qualquer tentativa de marginalizar crenças de origem africana perpetua um histórico de discriminação e racismo religioso.

Na nota assinada pelo presidente do coletivo, Paulo César da Silva, que também é Pai de Santo, a entidade enfatiza a diversidade cultural e espiritual do Brasil. Segundo o texto, ataques como esse ferem os praticantes das religiões de matriz africana e afrontam os princípios democráticos de respeito, igualdade e liberdade. O grupo exige que os vereadores revejam suas falas e posturas, respeitando a fé e a dignidade dos cidadãos. “Não nos calaremos diante da intolerância! Seguiremos firmes na luta pelo reconhecimento, pelo respeito e pela valorização de nossas tradições”, conclui a nota.

Pedido de retratação pública
Em entrevista ao Jornal Opção Entorno, Paulo César afirmou estar extremamente desapontado. Ele lembrou que, em 21 de janeiro, o coletivo realizou um ato na própria Câmara Municipal contra a intolerância religiosa, com o apoio da prefeitura. “Esperamos, com a nota de repúdio, uma retratação pública e um pedido de desculpas dos vereadores”, declarou.
O líder religioso também questionou a ausência de um espaço público para religiões de matriz africana na cidade. “Temos a Praça da Bíblia, a Praça Santo Antônio, o Balão da Santa… Por que não temos o nosso espaço?”, indagou. Caso não haja retratação, ele afirmou que o coletivo levará o caso ao Ministério Público e a órgãos competentes, para que seja tratado como crime.
A reportagem tentou contato com os vereadores Danielzinho Lima e Anaelson, mas até o fechamento desta matéria, não obteve resposta. O espaço segue aberto, caso queiram se manifestar.

Princípios constitucionais
A polêmica também gerou debate jurídico. O advogado Sharlin Rodrigues, especialista em Direito Constitucional, analisou a fala do vereador sob a ótica da laicidade do Estado, da isonomia e da liberdade religiosa. Ele pontuou que a Constituição proíbe o Estado de embaraçar cultos religiosos ou favorecer determinadas crenças. “Se o município já destinou espaços públicos a diferentes tradições religiosas, negar um espaço para outra crença específica pode violar esse princípio”, analisou.
Sharlin Rodrigues também observou que a Constituição garante a igualdade perante a lei e a liberdade de crença. “Caso o município tenha concedido espaços públicos a outras religiões e negue essa possibilidade a um grupo específico, isso pode configurar violação do princípio da isonomia e da liberdade religiosa”, frisou.
Para ele, decisões políticas baseadas na religião pessoal de um agente público podem ser inadequadas e até configurar discriminação indireta. “A atuação parlamentar deve respeitar a separação entre convicções pessoais e a função pública, garantindo que decisões sejam tomadas com base em critérios objetivos e jurídicos”, afirmou.
Se a negativa do requerimento não for embasada em critérios técnicos, mas apenas em razões religiosas, pode haver abuso de poder e desvio de finalidade. “Isso pode levar à anulação do ato e até à responsabilização política e jurídica”, alertou. E concluiu: “O vereador tem direito à sua opinião pessoal, mas suas decisões devem respeitar os princípios constitucionais da laicidade do Estado e da imparcialidade”.
Com a falta de consenso, o requerimento foi retirado de pauta sob a alegação de que não apontava de forma clara o local proposto. O Coletivo Afro também solicitou que a nota de repúdio seja lida na próxima sessão da Câmara Municipal, para que todos tenham conhecimento da manifestação e da necessidade de respeito à diversidade religiosa.

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