O vereador tem denunciado frequentemente o mau funcionamento da saúde municipal, destacando a falta de atendimento em postos e hospitais, assim como a escassez de leitos. Essas dificuldades são enfrentadas pela população de Santo Antônio do Descoberto e suas filmagens são compartilhadas nas redes sociais e em grupos privados de aplicativos, como o WhatsApp.

Durante a filmagem de uma reclamação da população divulgada no aplicativo mencionado, a servidora da Secretaria de Promoção Social, Fabiana Andrade, escreveu no grupo “Folha de SAD K2”: “Ave Maria, o urubu já está aqui no hospital fazendo videozinho, o vereador YouTube”.

Segundo a legislação vigente, qualquer ação ou tratamento que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida a uma pessoa ou a grupos minoritários deve ser considerada discriminatória e não deve ser dispensado a indivíduos com base na cor, etnia, religião ou origem.

Injúria é crime de racismo?

Na opinião do coordenador da Central de Flagrantes em Anápolis, delegado Rafael Barbosa, que fez parte da 7ª Regional e conhece o vereador Neném da Civil (PP) por terem trabalhado juntos, o comentário feito no grupo de mensagens de fato ofendeu o parlamentar. “Achei muito ofensivo. Este tipo de declaração não cabe mais, ainda mais em um grupo que está ali configurado como um crime, porque várias pessoas tiveram acesso àqueles dizeres. E mesmo se fosse um comentário menor, já caberia difamação”.

O delegado explica se o fato em si pode ser considerado como crime ou não. “O inquérito policial serve para esclarecer a intenção. O crime está na intenção. Qual foi o intuito dessa pessoa ao fazer este comentário? É ‘urubu’ devido à cor, raça, origem ou é ‘urubu’ por outras situações? Nesse caso, é necessário avaliar a intenção da pessoa que atingiu”.

Rafael Barbosa complementa, frisando que tanto o crime de racismo quanto de injúria são graves. “Esse tipo de xingamento, de fala, que denigre a pessoa em relação à raça, à cor, é injúria racial, que hoje é equiparada ao crime de racismo”.

O grupo se posicionou com nota de repúdio 

O proprietário do grupo de mensagens, Wesley Oliveira, fez uma nota de repúdio em favor do vereador, que diz: “A Folha de SAD repudia veemente qualquer tipo de racismo. Acreditamos na igualdade, no respeito e na valorização da diversidade, e estamos comprometidos em promover um ambiente inclusivo e acolhedor para todos, independentemente de sua origem, cor ou etnia”.

Print da nota enviada pelo grupo de WhatsApp. Foto: Divulgação

Wesley disse que o grupo existe desde 2018 e que foi a primeira vez que isso aconteceu. Segundo ele, há regras que são divulgadas a todos os membros, proibindo comentários racistas e preconceituosos. “Eu estou totalmente ao lado do Neném, independentemente dele ser vereador. Meus pais são negros e foi muito triste o comentário dessa pessoa”, enfatizou.

Após o ocorrido, a autora do comentário racista foi removida do grupo e a informação de que o canal estava repudiando o fato foi publicada. “É importante que estejamos unidos na luta contra a discriminação racial e que promovamos um ambiente de respeito e igualdade para todos”, concluiu o administrador da Folha de SAD.

Para o técnico de enfermagem Enoque De Souza, que integra o grupo de WhatsApp, a questão é sobretudo política, devido às denúncias do vereador sobre o serviço mal prestado à população de Santo Antônio do Descoberto. “A forma como ele foi tratado, como ‘urubu’, é uma perseguição, simplesmente por ele estar mostrando a realidade da saúde de Santo Antônio. Então, querendo ou não, ela quis atingir no contexto geral, principalmente a pessoa do Neném”, avalia.

Ataques rotineiros por ser negro

Neném da Civil diz que realiza um trabalho atuante na cidade por ser vereador e por estar sempre fiscalizando a gestão municipal. O parlamentar afirma que lamenta esse tipo vil de ataque, mas afirma que situações assim são rotineiras, infelizmente, por ser ele o único vereador negro do município.

Ele declara ainda que, embora se sinta ofendido com o acontecimento, sua filha de 11 anos foi quem sofreu mais com o problema. Estudante de um colégio militar da região, a criança recebeu de seus colegas de escola muitas mensagens sobre o pai, popular na cidade. “Os amiguinhos do colégio ligaram para ela e ela ficou abalada”, relata Neném.

Print da conversa do grupo. Foto: Divulgação

Diante do ocorrido, o vereador diz que não vai deixar impune a situação, para que não aconteça o mesmo com outras pessoas. “Vou registrar a ocorrência, acionar o corpo jurídico da Câmara de Vereadores e do meu sindicato, e tentar punir os responsáveis. Seja prefeito, seja secretário, seja quem mandou, quem praticou, não vai ficar impune”, enfatiza.

O Jornal Opção Entorno ouviu também a autora do comentário racista, Fabiana Andrade, que se disse arrependida e que não teve a intenção do ato de racismo. “Luto contra o preconceito diariamente e trabalho nessa área. Jamais foi a minha intenção. Foi um ditado popular que utilizei”, defendeu-se. Ela disse ainda ter pedido desculpas ao vereador no grupo em que o chamou de “urubu na carniça”.